"É estranho quando chegam esses dias. O mundo todo parece eufórico, época de muitos nas ruas. Andam em seus passos rápidos e frívolos em busca de várias coisas. Eu agora, velho de guerra, prefiro assistir. Já passei por tantos anos, que só me resta ficar sentado no banquinho do shopping enquanto meus filhos e netos ficam andando por aí. E eu lá, impotente e esquecido, durante horas sentado, nem podendo levantar pra que ninguém tome o meu lugar. Todos homens cansados de suas respectivas esposas neuróticas.
Ainda me lembro dos meus tempos de falsa inocência. Era pobre, logo era meio difícil conseguir ganhar algum presente. Depois que eu saía da escola, passava por aquelas lojas recém-chegadas dos Estados Unidos. Era um mundo mágico, fantástico. As luzes amplas, que destacavam os produtos de maneira tal que nos deixava de olhos arregalados. Naqueles dias, porém, umas luzinhas se destacavam. Eram pequenininhas e coloridas, acendiam e apagavam, sincronicamente. No meio do estabelecimento, uma árvore diferente. Nunca tinha visto aquilo antes. Toda verde-escura, sem flores, alta, imponente. O tronco e os galhos, de escuros que eram, pareciam de uma árvore morta. Logo eu, acostumado às árvores daqui, que no verão dão frutas suculentas e cheias de cor, dando um imenso prazer de subi-las e pegar aquelas delícias. Eu estava pra pegar uma daquelas folhinhas pequenas, coisa de criança, quando o funcionário me interrompeu:
- Ei, tá maluco, menino? Essa árvore é importada!
Outra coisa desconhecida. Achava aquela loja cheia de gente arrogante, mas a beleza daquilo tudo me impressionava. Ele continuou:
- É, menino, isso é um pinheiro. Vem lá do estrangeiro. Lá faz mais frio que aqui.
- Mas é sem graça, só tem verde nessa árvore. - Eu repliquei.
- Deixa eu te contar uma história. O Natal é uma festa de tanta magia. É uma época em que as pessoas tem algum tempo pra pensar melhor na vida. Elas ganham alguns dias de descanso, e em troca ganham mais dinheiro. Aí elas se presenteiam, pra serem mais generosas. Falando em presente, eu já te mostrei esse suéter? Um sucesso. Tudo bem, estamos no verão, mas é agora que é bom para garantir os agasalhos, sabemos que o inverno no próximo ano vai ser pesado. O clima, né? Tá uma pechincha, e vem do mesmo lugar que esse pinheiro. Esse é da moda, eu garanto....
- Não moço, eu não quero comprar....não tenho...
- Ah, não notei! Você ainda é uma criança. Tenho outra história pra te contar. A de Papai Noel.
- É mesmo? - Ele tinha me hipnotizado. Estava com os olhos vidrados nas palavras que ele estava usando. Todo aquele mundo me fascinava muito, e quanto mais soubesse dele, melhor.
- Sim. É um velhinho que vive no Pólo Norte, conhece? Ele é uma pessoa muito boa, rica e poderosa. Uma personalidade. Mas ele não aparece muito em público. Ele prefere fazer o bem pras crianças. Por isso, ele tem uma fábrica de brinquedos lá na casa dele, um mais bonito que o outro, você nem sabe como!
- E o que ele faz? Ele vende esses brinquedos?
Foi aí que o cara ficou balançado. Ele virou os olhos pro lado, meio que pedindo arrego. Mas nem tinha ligado, ele devia estar pensando.
- Ah, ele dá. Toda véspera de Natal, ele vai, vestido de cetim vermelho, esse pano aqui, na ponta de estoque...Ops, me distrai. Aí ele leva uma sacola enorme, cheia de brinquedos, dirige um trenó, tipo carro que as crianças do estrangeiro usam pra brincar na neve. Só que o trenó dele tem renas, um bicho que parece cavalo, mas com uns chifres enormes, que voam! Aí, ele pára em todas as casas do mundo, na noite de Natal. Ele desce pela chaminé...
- Chaminé?! Aqueles tubos que existem nos países frios? Mas aqui não tem disso! Como ele faz....
- Calma...ele entra...pela porta da frente! É isso! Pela porta da frente. Mas ele entra de fininho, pras crianças não acordarem. Aí ele deixa o presente ao pé da sua cama.
- Nossa, que legal!! Ele dá presente pra todas as crianças, né? - Era algo muito bom pra mim. Eu, então, receberia um presente. Aquilo era uma felicidade tão grande pra mim!!
- Não, na verdade, só as crianças comportadas que recebem a visita do bom velhinho. As más, ele só dá uma pedra de carvão. Mas agora, vá...e volte sempre, com seus pais, se eles quiserem comprar alguma coisa...
Minha felicidade era tão grande que passei aqueles dias do último mês do ano na maior ansiedade. Tudo esperando a noite do vigésimo quarto dia. Era tanta alegria que nem reparava o mundo a minha volta. Não tinha mais problemas em casa, na escola. Eu me esforçava pra ser um bom garoto, obediente. Minha mãe parece que percebeu a diferença, mesmo que não soubesse da história do tal Papai Noel.
Finalmente, na noite de natal, depois de uma ceia magrinha, reunindo toda a minha pequena família, fui pro meu quarto. Deitei na cama e fingi que estava dormindo. Queria por que queria ver o bom velhinho. Isso eram onze da noite. Onze e quinze e só a escuridão do quarto me acompanhava. Onze e meia e o vento lá fora uivava; era quente como costumava ser no verão. Quinze pra meia noite e ouvi alguns barulhos, vindos lá de fora. Não sabia o que era, nem me interessava. Devia ser o Papai Noel, por isso fui me preparando. Tudo pra ele chegar.
Até que chegou a meia noite. Silêncio. Dez minutos depois, eu acho, ouvi a porta se abrindo. Não era gordo como o do bom velhinho. Parecia estar tonto, quando finalmente ele achou o interruptor. Foi aí que eu o vi. Não o Papai Noel, mas o meu pai bêbado. Ele veio na minha direção e falou:
- Acorda, eu sei que você não tá dormindo! Você tá acreditando nessas baboseiras de Natal! Vamos! - Ele começou a me sacudir.
Eu não tinha outra opção a não ser abrir os olhos. E ele continuou a despejar:
- Olha...meu filho...não acredita nesse mundo....esse mundo cruel. Ser bom pra quê? Eu sou honesto, e olha onde estou? Pobre, sem dinheiro, sem como dar meios de minha família ser feliz.... - Ele começou a chorar intensamente. Acho que ele estava sendo sincero. Sabe, meu pai, como todos nós, homens, foi acostumado a ser introspectivo. Sabia que ele falava a verdade.
- E eu tenho um presente...pra você aprender como esse mundo é bom com você...peraí, deixa eu achar, tá aqui no bolso, mas qual deles....ah, sim, eu só tenho um....hum, deixa eu conseguir pegar....tá aqui!
Minha surpresa foi grande. Era uma pedra maciça de...carvão! Preto, puro, sujo. Fiquei surpreso com o presente, mas tive que pegar.
Pega logo, que me sujou todo já! Agora, vai, se vira, porque o mundo não é dos bonzinhos, porque eles vão pro céu!
E ele caiu duro de sono ali mesmo. Qual não foi a minha decepção com aquela cena toda! Surpresa, fascinação e entusiasmo que se transformaram em desânimo! E eu, que fui bobo, acreditei naquele velho bobo! Curvei-me a todos, deixei de ser eu mesmo, por causa de alguma coisa que eu queria muito, e talvez não fosse tão fantástica! Aquela foi, com certeza, uma das maiores lições da minha vida.
Foi aí que mergulhei na tal da igreja. Meus pais já iam, por ir, e eu era obrigado a participar de tudo. Quando menor, achava chato, e até maçante aquele discurso todo, aquelas histórias tão incompreensíveis, mas aí eu fui me interessando. Ouvi a história de Jesus. Senti a esperança voando sobre mim com o pregador, emanadas naquelas palavras. Comecei a crer cada vez mais, fazia mais e mais cursos, louvava, orava. Era a nova ovelha no rebanho daquele pastor bem vestido. Cada vez mais arrumado, nem parecia que ia envelhecendo. Todos se aconselhavam com ele. Cresci vendo aquele homem imponente ensinar a fórmula para um futuro melhor. Porém, sentia sempre a falta de algo. O quebra cabeças nunca estava completo. Quando eu acabei de completar a maioridade, fui falar com o chefe daquele rebanho do qual fazia parte:
- Senhor, como posso fazer pra chegar ao seu nível?
- Senhor não, já existe um, e ele já está lá em cima! HAHAHAHA - Ele gargalhava, como um demônio - Sabe, menino, pra ser igual a mim, você não tem que seguir tudo à risca, não! Se você quer ser bonito e rico você tem que esquecer essas histórias todas que eu te contei.
- E pra ser bom?
- Ah, aí seu caminho vai ser bem mais difícil! Tão complicado que só um conseguiu chegar lá. O resto que tentou, ninguém sabe, ninguém ouviu falar!!
Aquela foi a gota d'água. Deixei de ir àquele lugar toda semana. Senti-me enganado, esse é o termo certo. Foi tempo perdido, tudo perdido para o nada. Não que eu deixasse de acreditar em Jesus, mas achava que realmente a porta que nos ligava a ele era bastante estreita e o caminho, bem tortuoso.
Foi aí que tratei de crescer profissional e financeiramente. Agora, investia meu tempo em trabalho duro e em estudos. Conheci a velha história do mérito. Você é sortudo por tudo aquilo que faz, e blá blá blá. E não é que dei uma guinada? Investi, trabalhei duro, até que fiquei rico.
Foi aí que tudo mudou. E eu, que pensei que as coisas ficariam muito mais fáceis, vi que isso não era verdade. Novos desafios foram impostos a mim. E pior, esses se tornaram latentes, quase invisíveis, mas presentes. Era duro o desafio de tentar supor quem estava verdadeiramente ao meu lado ou quem queria puxar o meu tapete. E muitas das vezes, decepcionava-me com quem estava a minha volta, quando mostravam sua face mais real.
Depois de tanto procurar, e quase me arrepender da procura, me casei e tive minha família. Quando meus filhos eram pequenos, queria dizer a verdade: todos os presentes que eles recebessem iam ser de pessoas reais, e nada de Papai Noel! Eles saberiam desde a primeira infância, que isso era uma lenda, uma coisa falsa. Mas minha esposa não.
- Ah, amor, eles são crianças...
-Mas não! Criar eles numa mentira, pra quê? Todos que acreditam numa farsa têm uma decepção quando descobrem a verdade. As coisas não seriam melhores se tudo fosse às claras...?
- Ah, sem essa! Quem vai entregar os presentes vai ser o Papai Noel e pronto! Aliás, isso vai ajudar na interação das crianças na sociedade! Se elas não acreditarem, vão dizer que elas não tiveram infância! Olha, eu conheço uma amiga que tinha um primo que não conseguiu emprego por causa disso!!
- Por quê?
- Ah, o RH perguntou a ele se já tinha acreditado em Papai Noel. Ele riu e disse que não. Nem passou da primeira fase, coitado!
- Ué, mas qual o problema?! Coisa mais maluca!
- Ah, parece que disseram que era crítico demais, e coisa e tal....Podia ser uma péssima influência no meio de trabalho. Um extremista, coisa do tipo. Algo como um problema mental. Tem até nome técnico. Mas eu esqueci agora...
- Amor, isso é maluquice. São só analistas de RH. Vamos falar a verdade. Vai ser de fato o melhor para eles.
- Não, tá decidido! Eles vão acreditar em Papai Noel até quando quiserem! Eles devem ter o poder de auto-decisão!!
Foi aí que falei as últimas palavras que todo homem fala:
- Sim, amor! Assim seja feito!
Mentimos sim, e não só naquele ano. Em muitos outros, até eles notarem a mentirada em que eles foram idiotas de acreditar. Aí eles se tornaram essas pessoas frias que são em dia. E eu ainda me pergunto onde foi que eu errei.
Voltemos ao banco onde estava sentado, naquele shopping. Vi que, realmente, o Natal perdeu completamente seu sentido. Podia ser uma ótima festa, com sentimentos sinceros, mas não. A humanidade continua hipócrita, continua mentirosa, continua imunda, continua competitiva. Mensagem nenhuma poderia salvar as pessoas, por mais simples que seja. Falar de reforma íntima, infelizmente, é como falar de abstração. Todos continuam a pensar na casca. Falar em Jesus é algo extremo, ou oito, ou oitenta. Aceita-se os radicais, aqueles que querem que nós nos submetamos a Ele, como a um rei. Aceita-se também ignorar a sua pessoa, mas nunca tratá-lo como realmente foi. Sinceramente, depois dessa vida inteira, eu prefiro é ficar em silêncio. Por isso, essa vai ser a primeira e última vez que eu falarei."
Roman Daschow
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