Nada de Diferente em Dezembro

"É estranho quando chegam esses dias. O mundo todo parece eufórico, época de muitos nas ruas. Andam em seus passos rápidos e frívolos em busca de várias coisas. Eu agora, velho de guerra, prefiro assistir. Já passei por tantos anos, que só me resta ficar sentado no banquinho do shopping enquanto meus filhos e netos ficam andando por aí. E eu lá, impotente e esquecido, durante horas sentado, nem podendo levantar pra que ninguém tome o meu lugar. Todos homens cansados de suas respectivas esposas neuróticas.
Ainda me lembro dos meus tempos de falsa inocência. Era pobre, logo era meio difícil conseguir ganhar algum presente. Depois que eu saía da escola, passava por aquelas lojas recém-chegadas dos Estados Unidos. Era um mundo mágico, fantástico. As luzes amplas, que destacavam os produtos de maneira tal que nos deixava de olhos arregalados. Naqueles dias, porém, umas luzinhas se destacavam. Eram pequenininhas e coloridas, acendiam e apagavam, sincronicamente. No meio do estabelecimento, uma árvore diferente. Nunca tinha visto aquilo antes. Toda verde-escura, sem flores, alta, imponente. O tronco e os galhos, de escuros que eram, pareciam de uma árvore morta. Logo eu, acostumado às árvores daqui, que no verão dão frutas suculentas e cheias de cor, dando um imenso prazer de subi-las e pegar aquelas delícias. Eu estava pra pegar uma daquelas folhinhas pequenas, coisa de criança, quando o funcionário me interrompeu:
- Ei, tá maluco, menino? Essa árvore é importada!
Outra coisa desconhecida. Achava aquela loja cheia de gente arrogante, mas a beleza daquilo tudo me impressionava. Ele continuou:
- É, menino, isso é um pinheiro. Vem lá do estrangeiro. Lá faz mais frio que aqui.
- Mas é sem graça, só tem verde nessa árvore. - Eu repliquei.
- Deixa eu te contar uma história. O Natal é uma festa de tanta magia. É uma época em que as pessoas tem algum tempo pra pensar melhor na vida. Elas ganham alguns dias de descanso, e em troca ganham mais dinheiro. Aí elas se presenteiam, pra serem mais generosas. Falando em presente, eu já te mostrei esse suéter? Um sucesso. Tudo bem, estamos no verão, mas é agora que é bom para garantir os agasalhos, sabemos que o inverno no próximo ano vai ser pesado. O clima, né? Tá uma pechincha, e vem do mesmo lugar que esse pinheiro. Esse é da moda, eu garanto....
- Não moço, eu não quero comprar....não tenho...
- Ah, não notei! Você ainda é uma criança. Tenho outra história pra te contar. A de Papai Noel.
- É mesmo? - Ele tinha me hipnotizado. Estava com os olhos vidrados nas palavras que ele estava usando. Todo aquele mundo me fascinava muito, e quanto mais soubesse dele, melhor.
- Sim. É um velhinho que vive no Pólo Norte, conhece? Ele é uma pessoa muito boa, rica e poderosa. Uma personalidade. Mas ele não aparece muito em público. Ele prefere fazer o bem pras crianças. Por isso, ele tem uma fábrica de brinquedos lá na casa dele, um mais bonito que o outro, você nem sabe como!
- E o que ele faz? Ele vende esses brinquedos?
Foi aí que o cara ficou balançado. Ele virou os olhos pro lado, meio que pedindo arrego. Mas nem tinha ligado, ele devia estar pensando.
- Ah, ele dá. Toda véspera de Natal, ele vai, vestido de cetim vermelho, esse pano aqui, na ponta de estoque...Ops, me distrai. Aí ele leva uma sacola enorme, cheia de brinquedos, dirige um trenó, tipo carro que as crianças do estrangeiro usam pra brincar na neve. Só que o trenó dele tem renas, um bicho que parece cavalo, mas com uns chifres enormes, que voam! Aí, ele pára em todas as casas do mundo, na noite de Natal. Ele desce pela chaminé...
- Chaminé?! Aqueles tubos que existem nos países frios? Mas aqui não tem disso! Como ele faz....
- Calma...ele entra...pela porta da frente! É isso! Pela porta da frente. Mas ele entra de fininho, pras crianças não acordarem. Aí ele deixa o presente ao pé da sua cama.
- Nossa, que legal!! Ele dá presente pra todas as crianças, né? - Era algo muito bom pra mim. Eu, então, receberia um presente. Aquilo era uma felicidade tão grande pra mim!!
- Não, na verdade, só as crianças comportadas que recebem a visita do bom velhinho. As más, ele só dá uma pedra de carvão. Mas agora, vá...e volte sempre, com seus pais, se eles quiserem comprar alguma coisa...
Minha felicidade era tão grande que passei aqueles dias do último mês do ano na maior ansiedade. Tudo esperando a noite do vigésimo quarto dia. Era tanta alegria que nem reparava o mundo a minha volta. Não tinha mais problemas em casa, na escola. Eu me esforçava pra ser um bom garoto, obediente. Minha mãe parece que percebeu a diferença, mesmo que não soubesse da história do tal Papai Noel.
Finalmente, na noite de natal, depois de uma ceia magrinha, reunindo toda a minha pequena família, fui pro meu quarto. Deitei na cama e fingi que estava dormindo. Queria por que queria ver o bom velhinho. Isso eram onze da noite. Onze e quinze e só a escuridão do quarto me acompanhava. Onze e meia e o vento lá fora uivava; era quente como costumava ser no verão. Quinze pra meia noite e ouvi alguns barulhos, vindos lá de fora. Não sabia o que era, nem me interessava. Devia ser o Papai Noel, por isso fui me preparando. Tudo pra ele chegar.
Até que chegou a meia noite. Silêncio. Dez minutos depois, eu acho, ouvi a porta se abrindo. Não era gordo como o do bom velhinho. Parecia estar tonto, quando finalmente ele achou o interruptor. Foi aí que eu o vi. Não o Papai Noel, mas o meu pai bêbado. Ele veio na minha direção e falou:
- Acorda, eu sei que você não tá dormindo! Você tá acreditando nessas baboseiras de Natal! Vamos! - Ele começou a me sacudir.
Eu não tinha outra opção a não ser abrir os olhos. E ele continuou a despejar:
- Olha...meu filho...não acredita nesse mundo....esse mundo cruel. Ser bom pra quê? Eu sou honesto, e olha onde estou? Pobre, sem dinheiro, sem como dar meios de minha família ser feliz.... - Ele começou a chorar intensamente. Acho que ele estava sendo sincero. Sabe, meu pai, como todos nós, homens, foi acostumado a ser introspectivo. Sabia que ele falava a verdade.
- E eu tenho um presente...pra você aprender como esse mundo é bom com você...peraí, deixa eu achar, tá aqui no bolso, mas qual deles....ah, sim, eu só tenho um....hum, deixa eu conseguir pegar....tá aqui!
Minha surpresa foi grande. Era uma pedra maciça de...carvão! Preto, puro, sujo. Fiquei surpreso com o presente, mas tive que pegar.
Pega logo, que me sujou todo já! Agora, vai, se vira, porque o mundo não é dos bonzinhos, porque eles vão pro céu!
E ele caiu duro de sono ali mesmo. Qual não foi a minha decepção com aquela cena toda! Surpresa, fascinação e entusiasmo que se transformaram em desânimo! E eu, que fui bobo, acreditei naquele velho bobo! Curvei-me a todos, deixei de ser eu mesmo, por causa de alguma coisa que eu queria muito, e talvez não fosse tão fantástica! Aquela foi, com certeza, uma das maiores lições da minha vida.
Foi aí que mergulhei na tal da igreja. Meus pais já iam, por ir, e eu era obrigado a participar de tudo. Quando menor, achava chato, e até maçante aquele discurso todo, aquelas histórias tão incompreensíveis, mas aí eu fui me interessando. Ouvi a história de Jesus. Senti a esperança voando sobre mim com o pregador, emanadas naquelas palavras. Comecei a crer cada vez mais, fazia mais e mais cursos, louvava, orava. Era a nova ovelha no rebanho daquele pastor bem vestido. Cada vez mais arrumado, nem parecia que ia envelhecendo. Todos se aconselhavam com ele. Cresci vendo aquele homem imponente ensinar a fórmula para um futuro melhor. Porém, sentia sempre a falta de algo. O quebra cabeças nunca estava completo. Quando eu acabei de completar a maioridade, fui falar com o chefe daquele rebanho do qual fazia parte:
- Senhor, como posso fazer pra chegar ao seu nível?
- Senhor não, já existe um, e ele já está lá em cima! HAHAHAHA - Ele gargalhava, como um demônio - Sabe, menino, pra ser igual a mim, você não tem que seguir tudo à risca, não! Se você quer ser bonito e rico você tem que esquecer essas histórias todas que eu te contei.
- E pra ser bom?
- Ah, aí seu caminho vai ser bem mais difícil! Tão complicado que só um conseguiu chegar lá. O resto que tentou, ninguém sabe, ninguém ouviu falar!!
Aquela foi a gota d'água. Deixei de ir àquele lugar toda semana. Senti-me enganado, esse é o termo certo. Foi tempo perdido, tudo perdido para o nada. Não que eu deixasse de acreditar em Jesus, mas achava que realmente a porta que nos ligava a ele era bastante estreita e o caminho, bem tortuoso.
Foi aí que tratei de crescer profissional e financeiramente. Agora, investia meu tempo em trabalho duro e em estudos. Conheci a velha história do mérito. Você é sortudo por tudo aquilo que faz, e blá blá blá. E não é que dei uma guinada? Investi, trabalhei duro, até que fiquei rico.
Foi aí que tudo mudou. E eu, que pensei que as coisas ficariam muito mais fáceis, vi que isso não era verdade. Novos desafios foram impostos a mim. E pior, esses se tornaram latentes, quase invisíveis, mas presentes. Era duro o desafio de tentar supor quem estava verdadeiramente ao meu lado ou quem queria puxar o meu tapete. E muitas das vezes, decepcionava-me com quem estava a minha volta, quando mostravam sua face mais real.
Depois de tanto procurar, e quase me arrepender da procura, me casei e tive minha família. Quando meus filhos eram pequenos, queria dizer a verdade: todos os presentes que eles recebessem iam ser de pessoas reais, e nada de Papai Noel! Eles saberiam desde a primeira infância, que isso era uma lenda, uma coisa falsa. Mas minha esposa não.
- Ah, amor, eles são crianças...
-Mas não! Criar eles numa mentira, pra quê? Todos que acreditam numa farsa têm uma decepção quando descobrem a verdade. As coisas não seriam melhores se tudo fosse às claras...?
- Ah, sem essa! Quem vai entregar os presentes vai ser o Papai Noel e pronto! Aliás, isso vai ajudar na interação das crianças na sociedade! Se elas não acreditarem, vão dizer que elas não tiveram infância! Olha, eu conheço uma amiga que tinha um primo que não conseguiu emprego por causa disso!!
- Por quê?
- Ah, o RH perguntou a ele se já tinha acreditado em Papai Noel. Ele riu e disse que não. Nem passou da primeira fase, coitado!
- Ué, mas qual o problema?! Coisa mais maluca!
- Ah, parece que disseram que era crítico demais, e coisa e tal....Podia ser uma péssima influência no meio de trabalho. Um extremista, coisa do tipo. Algo como um problema mental. Tem até nome técnico. Mas eu esqueci agora...
- Amor, isso é maluquice. São só analistas de RH. Vamos falar a verdade. Vai ser de fato o melhor para eles.
- Não, tá decidido! Eles vão acreditar em Papai Noel até quando quiserem! Eles devem ter o poder de auto-decisão!!
Foi aí que falei as últimas palavras que todo homem fala:
- Sim, amor! Assim seja feito!
Mentimos sim, e não só naquele ano. Em muitos outros, até eles notarem a mentirada em que eles foram idiotas de acreditar. Aí eles se tornaram essas pessoas frias que são em dia. E eu ainda me pergunto onde foi que eu errei.
Voltemos ao banco onde estava sentado, naquele shopping. Vi que, realmente, o Natal perdeu completamente seu sentido. Podia ser uma ótima festa, com sentimentos sinceros, mas não. A humanidade continua hipócrita, continua mentirosa, continua imunda, continua competitiva. Mensagem nenhuma poderia salvar as pessoas, por mais simples que seja. Falar de reforma íntima, infelizmente, é como falar de abstração. Todos continuam a pensar na casca. Falar em Jesus é algo extremo, ou oito, ou oitenta. Aceita-se os radicais, aqueles que querem que nós nos submetamos a Ele, como a um rei. Aceita-se também ignorar a sua pessoa, mas nunca tratá-lo como realmente foi. Sinceramente, depois dessa vida inteira, eu prefiro é ficar em silêncio. Por isso, essa vai ser a primeira e última vez que eu falarei."

Roman Daschow


A Onipotência da Verdade

"Havia já muitos anos em que me via dominado por aquele poder paralelo. Como morador do Alemão, na Penha, desde bebê, cresci dormindo embalado pelo som dos tiros. Quando moleque, jogava bola e soltava pipa, lá no alto do morro, no Coqueiral. Coisa de criança com infância bem aproveitada, como hoje não se vê. Pés descalços, alegria pura, um universo de terra, poeira, mato, manga tirada do pé...mas aí eles chegavam. Subiam com aquelas armas, aqueles trabucos colossais, coisa mesmo de guerrilha. A vó me gritava, dizendo pra ficar escondido em casa, senão os comunistas, aqueles monstros, iriam me comer.
Taí uma coisa que ficou estigmatizada em mim: Comando Vermelho. Naquela época, eles eram apenas um bando de facínoras comedores de crianças, que seguiam uma parada chamada Comunismo. Essa palavra era tabu, eu bem me lembro. Comunismo era sinônimo de CV. CV era hiperônimo de violência, truculência e chacina. Estes, por sua vez, eram hipônimos de lei. Meus pesadelos e os de meus amigos eram sobre toda essa realidade. Ninguém podia criticar, mencionar, comentar sobre o que a gente vivia. O governo das Laranjeiras, daquele palacete decadente perto da sede do Fluminense Football Club, nem nos dava atenção. Polícia Militar, nem chegava perto do pé do morro, na Grota.
A adolescência chegou, e o funk veio junto com ela. Aqueles monstros do CV prosperavam. Organizavam os bailes onde eu e meus colegas íamos, promoviam artistas, faziam festas beneficentes, colocavam garotinhas novinhas vindas do interior para servir de escravas sexuais, vendiam maconha, cocaína e cia. Desde aquela época, nossa comunidade era ponto turístico do Rio, assim como outras favelas. Os gringos que aqui vinham passavam assiduamente no baile e na boca de fumo, para, segundo a palavra deles, provar da melhor maconha do mundo, vinda diretamente da Colômbia, sem passar pelo estômago ou pelo ânus de um traficantezinho qualquer que viajava de avião. Era extremamente fácil identificá-los: eram os vermelhos, todos aqueles que estavam com a pele queimada de Sol, lábios inchados e inflamados e olhos avermelhados por causa da 'marola'.
Naquela idade, eu era revoltado com a vida que eu escolhi, ou a que fui destinado. Até hoje não sei qual dessas duas versões é real. Quase entrei nessa vida, mas aí via amigos meus morrendo cedo, branquelos da Zona Sul doentes irreversívelmente e o exército e a PM, que começaram a dar as caras por lá. Aí preferi ser um idiota, um trabalhador desse, só mais um Silva, um pai de família. Quando fiz dezoito, tive que me alistar no exército. Os traficantes exigiram um 'tributo': levar, a cada mês, um fuzil do exército. Pensam que era tarefa difícil? Nada, os próprios comandantes eram coniventes com o sistema.
Depois, virei pedreiro, trabalho que qualquer um podia fazer. E eu, somente com o fundamental concluído, de péssima escola pública da época do democrático regime militar, me adaptei facilmente ao resto que jogavam para mim todo final do mês. Eu e os companheiros ficávamos debaixo de Sol e de chuva, carregando tijolo, cimentando os futuros edifícios. No final da obra, a gente tava dispensado: aí vinha outra luta por um emprego que não iria durar pra sempre.
Naquela época, me casei e formei família. Na nossa 'casa', um quarto-e-sala de poucos metros quadrados e mal-conservado, desempregado, tive que pagar impostos. Mas não ao Estado, o que nada nos garantia, mas sim aos traficantes. Naqueles tempos, já existiam tantas facções, quadrilhas e subdivisões, que já nem sabia como diferenciá-las. Todas cobravam pela luz, gás, 'segurança' e até pela TV. Só nos restava pagar. Um dia, estava sem dinheiro, e devia aos traficantes. Em vez deles cortarem a luz, que já era ilegal na localidade onde morava, eles me levaram para o 'julgamento'.
Era noite quando voltava de casa, depois de mais um dia quente em que tentava achar desesperadamente um emprego. Encarei várias portas se fechando pra mim, com a voz severa, fria e dura constatando: "Você não tem experiência". Subia já as longas escadarias, ruas e vielas daquela comunidade, quando, num beco deserto, alguém veio em minha direção, olhando fixamente em mim. Dei alguns passos pra trás, mas alguém já tinha me pego. Após algum tempo desacordado, percebi que estava num local deserto, no meio da mata. Era um círculo de uma dúzia, assim acho, todos apontando as armas que tinham para mim. Entraram no meio dois homens, um com uma espécie de tocha e o outro aparentando ser o líder, dizendo:
- Estamos cansados de vagabundo que não paga as nossas taxas! Nós lhe damos conforto, segurança, ajuda nos momentos de necessidade, e é assim que você nos retribui? Você nunca dependeu do Comando pra sobreviver?
E eu:
- Sim, mas....estou procurando emprego, você sabe como é difícil né, nesses dias em que os ricaços não querem construir prédio...sou pedreiro. Por favor, me perdoem! Eu juro que vou pagar o que devo!
- Ha Ha! - Ria alto o chefe - Dá até pena de você, idiota! Devia acabar com a tua raça agora mesmo, mas tô vendo que não vale a pena esmagar um verme desprezível como você. Vai pra casa! Não olha pra trás!!
Cheguei em casa, mais humilhado que nunca. Não mencionei o ocorrido com minha esposa, então ela pensou que eu estava assim porque não consegui arranjar emprego. Já tínhamos dois filhos pequenos, e naqueles tempos, a gente vivia de favor, de doações. Quando fomos dormir, não consegui pregar o olho. Estava apavorado.
No dia seguinte, quando estávamos tomando um resto de café, entraram na minha casa. Era um garoto, um mensageiro do tráfico.
- Mané, vai presse endereço aí!
Minha esposa reparou a origem do rapaz e perguntou:
- Que isso, você está se envolvendo com o tráfico? Quantas vezes eu te falei, procura um emprego digno e honesto, é esse o jeito! Não tem esquemão, nem nada parecido!! Traficante não morre velho não!!
Decidi contar da história da conta e o julgamento do tráfico. Ela ficou preocupada. Resignada, abaixou a testa, aparentando estar vinte anos mais velha, e disse:
- É...então vai lá...não sabe o que é...boa sorte, vou rezar por você.
Lá fui eu, como um boi vai pro abatedouro. Quando cheguei lá, encontrei mais uns muitos homens, como eu. Um senhor de terno subiu à frente e falou:
- Olá, amigos. Sintam-se privilegiados. Vocês, sem nenhum tipo de processo seletivo, possuem um emprego definitivo na nossa construtora. Sabemos que o mercado imobiliário não está bem das pernas, mas um futuro novo vem pela frente. E vocês participarão disso!
Metade dessas palavras tinha jogado fora. Achei inútil o discurso do senhor sobre mercado imobiliário, algo totalmente desnecessário. Era o que achava na época. Pior foi a previsão dele, considerei muito piegas e sem sentido. Ainda mais para um trabalhador como eu, cujo maior foco encontra-se no presente. Mas aplaudimos, e comecei a trabalhar. Eram todas obras públicas. Minha empresa era marca registrada nesse tipo de obra. Construção e reforma de escola, hospital, administração pública, isso sem falar nos asfaltamentos que a gente fazia. Realmente, olhando pra trás, percebi que aquele engravatado sabia o que estava falando. Um presidente operário e sindicalista foi eleito e com ele veio uma preocupação maior com o povo pobre. Deu pra reformar meu barraco, comprar móveis novos, pensar no futuro do meu filho, fazer uns cursos gratuitos pra ajudar na minha profissão. Até minha mulher começou a trabalhar, fazendo um pouco de tudo. Meu sonho era fazer uma faculdade. Engenharia Civil, eu acho. Entrei num supletivo pra ver se conseguia terminar o ensino médio e recuperar o tempo perdido.
Mas então, quando pensávamos que todos estavam 'juntos', recuperando-se de quarenta anos de pleno abandono do poder federal, o tráfico ia se fortalecendo. Matavam todos aqueles que iam contra seus princípios, e também aqueles que mostravam os podres do seu esquema criminoso. Ainda tinham moradores apoiando esse bando, mas eles cada vez iam diminuindo. Pouco a pouco, fomos sendo picados pelo mosquito. Não o Aedes, mas sim pelo governo estadual.
Entrou há oito anos e era um baixinho. Invocado. O Rio estava num processo de 'limpeza': os focos de sujismundice do governo anterior eram desbaratados, limitando os antigos chefes a uma cidade, bem distante da capital. Naquela época, limpeza era sinônimo de trocar o sujo pelo mal-lavado. Saíam alguns poucos traficantes, e ia entrando os milicianos, horda cruenta de militares exploradores e hipócritas, que queriam criar o Estado dentro do Estado, em dimensões incomparáveis ao tráfico. Enquanto isso, na mídia, defendia-se os milicianos, de forma implícita. Todos queriam lavar com sangue o decadente tráfico. Fiquei sabendo que, nos países ricos, não se tinha esse tráfico. Era tudo feito a quantidades de formiga, bandinhos pequenos, sem armas, sem morte, sem disputa por poder.
Quando ocorria algum conflito, a PM entrava, atirando. Era a Tropa de Elite, osso duro de roer. Matava tudo o que via pela frente. Animal, bandido, trabalhador. Eram dias difíceis. Por um lado, o consumo, as contas, o crediário, a expectativa de entrar na classe média. Sim, aqui não parecia mais uma favela, um local de excluídos. Fomos elevados à condição de comunidade. Algumas se tornaram bairros longínquos. A TV, o rádio e o jornal decidiram começar a entrar na comunidade, conhecer sua cultura, suas vielas, seus prodígios.
Foi então que veio a UPP. Começou, por motivos logicamente óbvios, na Zona Sul. Foi aí que a mídia e a gringada não-viciada começou a tomar o Santa Marta. Ao governo, coube a missão de desfigurar aquele povo, transformando o morro em paraíso dos pobres da Zona Sul e ponto turístico. Deu tão certo que eles ampliaram. A coisa em si era simples, bastava pôr um mini-batalhão, chefiado pelo Estado, o qual, por sua vez, teria o domínio sobre a comunidade.
Foi aí que, em 2010, teve a guerra. Acompanhávamos, abestalhados, aquela bandidagem do morro fugindo em debandada, cheia de medinho. A imprensa mostrava aquilo como se fosse um épico, uma coisa brilhante. Num domingo, invadiram a comunidade. Era o Estado se impondo pela primeira vez na minha região. Foi bem ao estilo daquela guerrilha dos anos 70/80, mas bem pior e armada até os dentes. Em seis horas, puseram a bandeira do Brasil e do estado no topo da comunidade. Passei por lá, alguns dias depois. Era impressionante. Fazia muito tempo que eu não via aquela bandeira verde-e-amarela, desde aqueles tempos de ginásio, com hino toda segunda. Era linda. Me sentia cidadão.
E o ano terminou, e seis meses depois construíram umas UPP. Lindona, ocupava uma creche, que tinha sido desativada com esse objetivo. A polícia tomou conta do pedaço, dizia todo mundo. Ocasionalmente, invadiam algumas casas, à procura de coisas suspeitas, segundo eles, e destruíam todo o trabalho de anos para ficar pelo menos arrumadinha a casa. Acabavam com os móveis e os eletrodomésticos tão esforçadamente compradas no crediário das Casas Bahia, durante até mesmo dois anos inteiros. Roubavam dinheiro, por acharem suspeito. Quebravam lojas. E não adiantava reclamar, porque os que faziam isso eram só 0,01% do total da população. A gente se calou, engolindo aquele doce amargado pela língua do Estado.
Depois, minha vida fervilhou. Fiz técnico em Edificações, mas ainda não consegui fazer a tão sonhada faculdade. Quem sabe um dia? Tem agora esse ProUni e o FIES, mas o que me falta é o dinheiro. Ainda não tive coragem de fazer o ENEM. Se bem que dizem que é fácil, que chagam a colocar questões falando de vôlei e dança. Bem, fica pro futuro.
Fiquei ocupado, de 2010 até 2014, com comprar. O governo estadual decidiu me tirar, junto com outros tantos moradores, do morro. Diziam, parece, que era por causa do risco de deslizamento. Nunca aconteceu isso, mas mesmo assim, não me preocupei: aceitei aquela proposta na hora. Fui transferido para um conjunto residencial, com minha família, um ano depois. Foi um prédio construído muito rápido. Fui promovido a mestre de obras e ganhava bem mais do que antes. Para completar a mudança, comprei móveis novos, modernos, bonitos, todos no crediário. Meus filhos entraram na faculdade sem dificuldade, só no cursinho barato, em que eles aprenderam a ser gente culta, a ler 'boa revista' e a ter um 'bom gosto'.
Foi aí que percebi algo de errado. O apartamento, concluído tão rápido, tinha problemas estruturais bastante sérios. Material barato, constatei. Tive que comprar novos tijolos, para reformar a casa 'nova'. Fui acumulando dívidas, me enrolando e, quando me percebi, estava com o nome sujo. Abri o jornal de domingo, de onde vinham aquelas notícias maçantes sobre economia doméstica, defesa do consumidor. Algo que, infelizmente, se tornou difícil pra mim. Consegui limpar meu nome, com muita dificuldade. Foi aí que me tornei zura, daqueles que tentam segurar o dinheiro no bolso antes que ele se evapore naquelas belas igrejas que os engravatados fizeram de construir pela cidade inteira."
N.P.

Trinta anos. A casca mudou, ficou mais brilhante. Agora põem cera de carnaúba para que ela fique mais brilhante. Lançam remédio, fertilizante industrializado, batizam a fruta de conservantes, aromatizantes e outros 'antes'. A polpa da maçã, porém, continuou a mesma, amarelinha, porosa, suculenta, com aqueles carocinhos e o caule no seu eixo. Logo, nada mudou: assim que abrem a maçã, e a deixam exposta, ela escurece, perde o sabor e fica horrivelmente murcha. Os flagelados da cidade dos anos 80, tornaram-se alpinistas sociais, nova classe média, novo gado, agora consumidor. Tornaram-se cidadãos, mas com poder tão ínfimo, tão risível para os mais ricos. É essa a nossa nova sociedade.

Ruínas do Castelo

...E juramos amarmo-nos pra todo o sempre
Enternecidos, olho a olho, boca a boca
Naquele edifício
Alto, que as nuvens alcançava
E a divina força emitia suas vibrações
Caía um raio sempre que chovia

Nosso Dia assim foi
O céu chorou
Deus chorou
De tristeza e de emoção
Ao pacto parlado ratificarmos

Provei eu do teu proibido fruto
E tu, do meu
Fomos, assim, expulsos
Do paraíso chamado Inocência
Ato simples, que nós mesmos tornamos pecaminoso
Sujamo-nos e suicidamo-nos
Sentes a dor do amor
E digo-te: sou eu o culpado

Fui eu o raio e o cometa ardente
Quem esmagou nosso castelo de cartas
Incinerei nossas lembranças
Queimei o teu dedo com ferro
Ardente que foi, ainda tens a marca

Era ferido, e tornei-te mais uma
Dessas borralheiras que espalham o pó
De sua dor e da indiferença de que são dignas

O que agora fazer,
Acabaram-se as desculpas
Acabou-se a sacarose
Acabou-se a força de meus músculos
Acabou-se o sangue de teu corpo
Acabou-se a festa
Nem mais há um docinho de coco
E o amor, não se acabou
Simplesmente, pois, nunca existiu
Como a minha vida

A Roda do Desperdício

Desperdiçar. Essa foi uma ação que, ao longo da história, nunca teve um significado tão agravador. Possuía importância secundária. A literatura registra o uso desse termo nos romances, na perda de tempo. Sim, esse talvez tenha sido a primeva ideia de desperdício, tal como se o conhece atualmente. Talvez tenha sido a consciência Calvinista de ócio que nos tenha levado a esse estágio. Quem sabe, um desperdício aparentemente incômodo tornou-se a faísca para uma série de transformações que levaram a um desperdício bem maior e mais grave?
É preferível começar no Hoje. Daqui, desta estação, far-se-á uma volta. Muitos criticam esse modelo, porém dessa maneira pode-se estabelecer um paralelo entre esse ponto e o outro, lá atrás. A arte de desperdiçar é, atualmente, uma ciência latente, mas bem difundida. Basta reparar no cotidiano. Nas ruas, há grandes congestionamentos, com amplas emissões de óxidos de carbono, formadas por carros que possuem somente uma só pessoa. Nos lixões, enormes quantidades de produtos aproveitáveis, considerados lixo, só por serem velhos ou terem pequenos defeitos. Nos restaurantes, principalmente os de 'autosserviço', no final do dia, o que se vê são mesas e mais mesas repletas de pratos com restos de comida, às vezes intacta, por simplesmente o cliente reparar que colocou comida demais para as suas necessidades fisiológicas. Nos mercados, feiras livres, quitandas e comércios, o que mais sobra são produtos com partes 'ruins', que são jogados fora. No campo, empresas agrícolas, ao perceberem que a safra pode ultrapassar a capacidade de procura do consumidor, usam o excedente como adubo ou simplesmente as inutilizam, para simplesmente conter o preço. As residências, sobretudo as de classe média, têm uma coleção de celulares ainda utilizáveis e que estão guardados, parados como relíquias de um museu de coisas nem tão velhas. Como deu para ver, essas são sinais que atentam que algo está errado e compõem uma pequena parcela dos fatos relacionados a essa prática.
Num passado distante, lá na Idade das trevas dos europeus, situações como essa seriam consideradas pecados. A produção era tão minúscula que era mais aconselhável armazenar e estocar do que simplesmente jogar fora os produtos essenciais à vida. Possuía-se, sim, mais tempo livre. Mesmo que os camponeses fossem explorados pelos seus Senhores, a acomodação e o ócio deviam ser imensos, já que a reação a esse regime só ocorreu séculos depois. Não se deve desprezar a influência cultural da Igreja Católica, mas a acomodação e o imobilismo social resultavam dessas duas causas. Os dominates eram exemplos para os seus dominados. Nobres, além de alguns poucos momentos de guerra faustosamente mencionados como impossíveis aventuras e épicos pífios, eram eternos indolentes, dando ordens a todos os servos, que os serviam com prestação, mas sempre com folgas.
Até que veio a Revolução Comercial. As atividades financeiras, bancárias e comerciais registraram um renascimento inesperado, como uma fênix que surgiu das cinzas. As causas dessa dura transformação ainda não parecem bem claras, havendo confrontos entre os registros históricos de diversas regiões do hemisfério Norte. Saindo da historiografia, passamos ao conceito de ócio, que por sua vez determina o grau de desperdício. O feudalismo anterior, começou a dar espaço, aos poucos, ao artesanato citadino. Nessa fase, os artesãos tinham total controle sobre seu próprio trabalho, controlando o seu horário e o quantitativo na produção, o qual era bem parco. Logo, utilizavam baixa quantidade de matérias-primas, o que, na grande escala, não representava um grande desperdício. Os navios da época, muito lentos, aproveitavam já a energia eólica, não resultando em grandes degradações.
Com um pouco mais de tempo, os artesãos começaram a ser explorados por um grupo seleto de novos ricos, que os apinhavam em galpões, usando máquinas pouco elaboradas, mas que já facilitavam o trabalho e aumentavam a produção e a quantidade de matérias-primas extraídas. O metalismo presente nessa época resultavam numa das primeiras apresentações do que se considera atualmente como desperdício, vindo como uma forma de avareza dos Estados modernos. A pilhagem do ouro na América causou enormes danos ao meio-ambiente do continente, acoplando em si outros prejuízos, como mudanças nos ecossistemas e genocídio e processo de aculturamento das populações locais.
O acúmulo de metais preciosos auxiliou no processo de industrialização de partes restritas da Europa. A riqueza e, consequentemente, o poder acabaram sofrendo uma centralização maior do que na época anterior, tão combatida pelos movimentos iluministas do século XVIII. Nessa nova fase, a produção sofreu um incremento tão grande que a partir de então, as crises eram geradas pelo excesso de produtos no mercado, e não mais pela sua falta, como acontecia anteriormente. Tornou-se possível produzir uma quantidade imensa de produtos em um tempo relativamente pequeno. A ciência pulou do fundo do quintal, naquela casinha dos fundos mal estruturada, para enormes laboratórios com a infra-estrutura necessária e financiados pelos industriais daquela época. Não existia, naqueles tempos, o empecilho de fundo moral e religioso.
Todo esse ambiente permitiu a extração vultuosa de matérias-primas, em diversas partes do mundo, que logo eram transformadas em produtos industrializados e, sem passar por qualquer análise, desprezando-se a "espionagem" da concorrência, eram postos em mercado, ao redor de todo o mundo, saturando-o com esses produtos. Por um lado, isso em muito facilitou a vida da população da época, diminuindo o esforço e ampliando o domínio do homem sobre a natureza. Por outro, a produção era excessiva, restando muitos exemplares nas prateleiras. Daí surgiu a primeira grande crise do capitalismo, crucial para a sobrevivência desse sistema, porém pouco mencionada.
Ocorrida no final do século XIX, a primeira grande crise do capitalismo atingiu principalmente a Europa, devido ao já mencionado fenômeno de superprodução. O excesso de oferta de produtos industrializados, comparado à baixa procura, garantiu a diminuição dos preços, que nem mesmo permitiu a compra do excedente da produção. Esse processo acabou por tornar o capitalismo como se o conhece atualmente.
A produção, a partir de então, ficou cada vez mais mecanizada. Taylorismo e Fordismo comprovaram isso, sendo predominantes até os dias atuais. A produção disparada, além das técnicas de publicidade, provocando uma ideologia consumista. Os custos, logicamente, diminuíram, o que acessibilizou a aquisição dos produtos industrializados com alto grau de tecnologia embutida. Ressalta-se que antes a indústria têxtil já possuía essa capacidade, mas tinha, na época, baixo grau de tecnologia. E assim vive-se até os dias atuais. O lançamento de novos produtos gera a aquisição desses, enquanto que os antigos, muitas das vezes, acabam parando no lixo por simplesmente serem anacrônicos.
O "neo-profetismo", centrado num provável e talvez distante desastre natural em escala global, acaba entrando nessa fome de consumismo, que saiu do plano das idéias para a realidade em alguns países e, em outros, já começa a mostrar suas facetas em certas classes sociais, como contrapartida de planos de distribuição de renda, com novos produtos que pretendem "revolucionar e acabar" com o risco da humanidade ser extinta por aquela que, ao longo de milhões de anos, gerou-a. São sacolas, papéis, folhas, utensílios domésticos e outros produtos feitos com base na reciclagem.
Esse método é uma boa forma de tentar minimizar o dano que é causado à Natureza, mas não deve ser a única medida, nem considerá-la como a solução para todos os problemas atuais. O que falta é uma mudança na ideologia individual, baseada no reaproveitamento, separação dos resíduos produzidos e educação no consumo, a fim de torná-lo mais consciente. Há que se destacar também a importância de investimentos do próprio Estado nos setores de coletas seletivas regulares, tratamento adequado do esgoto e resíduos industrais e monitoramento ambiental permanente. Enquanto isso não acontece, o jeito é esperar...sentado.

No Calor da Guerra

(Colaboração do Neiva!)

Toda beleza de espírito
Toda a emoção
Toda a essência da vida
Num evento
Que por mais que sangrento
Brota (desperta) em nós
O que há de melhor

A guerra é a dor enobrecedora
A glória da vitória é o sangue do inimigo escorrido
E no chão baqueado ele se encontra
A vida se resume, logo, na morte do meu rival

A minha Liberdade é a prisão do meu próximo
A minha Igualdade é a indiferença a meu irmão
A minha Fraternidade é estraçalhar e desprezar o sofrimento do meu inimigo.

Bricadeira de Adulto

Cheios dessa vida de ócio
Desses hipócritas que nos enchem a cabeça
Dessa sociedade que não sabe viver
Caminhando, rumando, ruminando
Ao encontro do nada
Essa gente que ama, odiando
Que apóia, derrubando
Que ri, chorando
Vamos seguir a tendência
Vamos seguir a moda
Vamos esquecer aquela vozinha
Que nos chama à estreita porta
À plenificação humilde
Ao sofrimento edificante
Vamos brincar de escola
Esquecer-nos da vida
Abraçar e enforcar o saber
Ser cientificistas, ser ortodoxos
Seguidores desse bicho chamado Ciência
Vamos brincar de trabalhar
Empertigados naquela roupa apertada
Estressar-nos com o chefe
Puxar tapetes até que puxem o nosso
Engolir, todo final do mês, as migalhas
Que aquele gordo, que se acha feliz
Atira-nos, como esmola
Vamos brincar de casar
Eu, com aquele smoking
E você, com aquele véu branco
Na frente de inexistente divindade
Um amor inexistente
Pôr as algemas invisíveis,
Das quais só se vêem
As douradas presilhas da dor
Na anelar falange
Vamos brincar de casinha
Um apartamento tão falsamente luxuoso comprar
Pagá-lo em mais da metade dos que nos sobra da vida
Arrumá-lo com aqueles inúteis enfeites
Tirar doentemente o pó da habitação
Lutar contra a externa sujeira
Só pra ninguém perceber a nossa
Vamos brincar de nos futricar
Nos estimularmos com o prazer ínfimo
O falo em você enfiar
E você de prazerosa dor urrar e rir
Como a uma louca
Vamos brincar de papai e mamãe
Fazer e parir filhos
Lançá-los ao mundo sem o mínimo de preparo
Abandoná-los na mesma escola que nos educou
Análise fazer por causa deles
E pagar rios de dinheiro
Pra longe vê-los de nós
Só não vamos brincar, freuerlein
De morrer
Porque papai não deixa
Porque é "tamanha" a vida
Pra tão fácil desistir

Relicário

Vejam essa estrutura
Madeira sólida e bem polida
Num canto qualquer da nobre habitação
Local de reza
De palavras repetidas ao acaso
Jogadas ao vento como a poeira da casa
Quem as receberá?
Essa imagem
Da mais bela cerâmica
Advinda do mais remoto local
Donde emergiu da negra superfície
A mulher, a deusa, que fora subjugada
Pela sua própria metade
É o cármico destino da Eva
A mais criativa das mulheres
Aquela que queria saber mais
Mas que enganada fora
Pela fálica serpente
Formas, objetos, templos da arte
Objeção cega feita pelos fanáticos pela forma do coração
Mas de que importa isso possuir um formato
Se não pulsa, nem vida carrega na sua batida frenética
De que adianta a balada melodiosa
Se ela não transmite qualquer tipo de conteúdo
De que adianta as rimas impossíveis,
Se desconexas ficam as palavras
De que adianta as curvas e floreios harmônicos,
Se nada possuem a não ser a perfeição cartesiana
De que adiantará a arte pela arte,
Se a arte péla a vida?

O Pior dos Males

Dissera-me alguém
Que ruim seria morrer
Pobre a puerilidade contida nesse ser
Mal ele sabe a liberdade
Que trazem os helmintos na terra nua
Dor é o que sentimos nesta carne
Frágil e malcheiroso como o ato que a gerou
Erguem-se no trono trevosamente iluminado
O haltere e o manequim
Aquele, com bordoada e estrondosa vestimenta
Carniça duramente lesionada pelos pesos da sociedade sarada
Infla tanto, para tentar esconder o vazio que lhe dói
Este, coberto com os estigmas de Afrodite
A dor dos ossos salientes e das anfetaminas desidratantes
É mascarada no seu ar blasé e nos holofotes de seu escravizador
Pior ainda é o prazer doloroso
Essa lasciva doença pela qual muitos procuram
Ânsia de possuir alguém nos braços ou nas costas
Amor, pérola da lama e da sombra
Em que todos se chafurdam para obter essa rara jóia
Sangrenta e sanguinária e esporrada e futricada
Tão mal quanto é a beleza
Tanto ódio, tanta dor nos olhos alheios
Quanta fraqueza tem a alma dum belo corpo
Dor tamanha a que sinto
Em vê-la todos os dias
A personificação do ardor do Amor e da Beleza
Logo a mim, a que nunca foi-me permitido chegar próximo
À flor desse lamaçal umbrálico
Doem meus olhos, minha cabeça, meu corpo
Por não mais poder tocá-la
E vê-la sofrer em silêncio
Pelo moleque que a largara pelo colo daquela mulherzinha
Deus, permita-me não mais sofrer dessa insuportável dor
Não me deixe sentir esse deleite
Pelos róseos hematomas
Imolam a minha consciência
Pela dor de ver tempo sendo perdido

Reflexos Ilusivos

"É, realmente, vivemos numa época maravilhosa. O mundo diminuiu tanto, que superou as expectativas de Júlio Verne. Já no final do século XIX, com a Revolução Industrial a pleno vapor, digo, gasolina e eletricidade, o mundo já perdia suas fronteiras. Ele, em Volta ao Mundo em 80 dias, provou o fato da diminuição do planeta, levando-se em conta, lógico, a linguagem figurada.
Agora, que a Internet praticamente domina nossas vidas, criando até mesmo seus próprios viciados, chegamos ao auge do desenvolvimento humano. Movimentamos nossa vida profissional, financeira e até mesmo a pessoal com algumas digitadas no teclado e umas mexidas no mouse. Sim, agora poderíamos ser FELIZES.
Isso provavelmente é dito por um tolo. Admito que o parágrafo acima, nem deveria ter saído desses dedos, sujando-os com as mais putrefatas mentiras dos mais diversos graus. De que adiantou tanta proximidade, tanta interação, se se continua a sujar as mãos de sangue inocente? A informação que poucos revelam e que talvez seria estatisticamente a mais relevante é a dos percentuais do acesso à Internet em relação ao total da população mundial. Hoje, o que mais se faz é mostrar números "imensos", que sugerem um crescimento absoluto no total de dados transmitidos, além de inúmeros casos de pessoas que conseguiram se divulgar devido à Internet, sugerindo um possível progresso desse sistema, como se fosse uma propaganda do mesmo.
Engana-se os que pensam que esse território de bytes é anárquico. Há sim uma estrutura politica dentro da Internet que passa muito despercebida. Paga-se para abrir uma página, digamos, comercializável, e ainda para vê-la anunciada no topo das ferramentas de busca existentes hoje. Verifica-se, além disso, um oligopólio enorme, que consegue ser encoberto pela mídia e até mesmo pelo desinteresse das pessoas. Pouquíssimas empresas dominam grandes percentagens da Grande Rede. Como se vê, tanto pelo aspecto administrativo, quanto pelo estatístico, não estamos integrados, mas sim dominados.
O que motivou a escrita de tantas linhas assim foi somente uma frase, tão simples, mas tão repetida: "A Juventude de hoje tá alienada." Muito se fala isso, ao ver a atitude do jovem no andamento das notícias. Estranho seria, já que a Internet possibilita a transmissão de notícias de diversos jornais. Por exemplo, pode-se acessar d'O Globo, passando pelo New York Times, até o Pradva. No entanto, não mais se acompanha os noticiários, não se sabe mais do que acontece. A minha réplica àquela afirmação é a de que não dá mais ser realista.
Incrível é observar quanta vendagem tem um jornal, em meio físico, e ver a alta quantidade de acessos de um portal de notícias. E ver o conteúdo de suas capas: Violência, homicídio, estímulo ao suicídio, abusos sexuais dos mais diversos tipos. Quando não expõem essa realidade dura e cruel, mostram as novidades de um mundo imaginário, de ídolos e falsos deuses, que fazem a cabeça das pessoas cansadas de assistir a essa overdose de notícias ruins.
O público em geral está deixando, gradativamente, de seguir o curso da vida real, feita por pessoas reais e com cenários e falas reais, para seguir os modismos, os cometas do céu das celebridades. Artista deixou de significar liberdade, para simbolizar simplesmente idolatria.
Assim, de que vale se informar todos os dias, em que se é alijado por tristes notícias ou se é enganado por uma indústria cultural? É por isso que prefiro manter-me nas cavernas, não sendo iludido por um reflexo, mas sim para tentar viver fora dessa fábrica de tragédias.

Vícios Mandibulares

Ferroso ou calcígeno,
Urticante ou saudável,
Áspero ou suave,
Doce ou amargo,
Salgado ou insosso,
Morder sempre.
A sensação de destruir
Aquele corpúsculo qualquer de comida,
Guloseima alucinógena,
Plantinha desconhecida,
Ou simplesmente um mero mordedor:
O que interessa é mordiscar.
Pela passagem do tempo,
Pela expiração que nos mata brandamente,
Pelos protozoários que nos corroem,
Pelos vírus que nos apodrecem,
Pela percepção de que é mentira o manifesto,
Por sabermos que nada somos e nada seremos,
Pela mulher que mal nos olha,
Pela menina que idiotamente se lança a nossos pés.
Somos selvagens,
Nossa sobrevivência depende da mordida.
Somos assassinos,
Precisamos morder tudo o que há na nossa frente.
Sabemos, pois, que o Amor ainda não é para todos,
Mas que podemos mordê-lo e arrancá-los os maiores pedaços.
Esse é o nosso maior prazer:
Mutilar com a boca o que mais amamos,
Tal qual o mais bruto dos jacarés do Nilo.

Tecnologia e Música

Engraçado perceber, quando menos se espera, alguns hábitos tão latentes e imperceptíveis em nós mesmos. O prazer dessa descoberta é, sem dúvida um dos maiores que se pode ter, assim como as revelações trazidas à tona. Nessas férias, em que pude, finalmente, espairecer ao menos um pouco, recuperar-me dos quase oniperesentes estafa e estresse, consegui reparar num costume muito comum de todo o mundo, certamente.
Desde as mais primevas eras, fazemos música, seja de que forma for. Em todas as sociedades antigas, houve a presença da música. Os iorubás, ashantis, bantos, zulus e outros povos africanos fizeram largo uso dos beribaus, as guitarras africanas, e dos atabaques, de todos os tamanhos; música pra eles era o mesmo do que se encontrar com a essência do seu passado, clamar pela luz necessária para, pelo menos, iluminar o árduo caminho por eles enfrentados e comunicar-se com suas divindades. Os árabes, persas e os hindus, tão dispersos pelas suas inúmeras tribos, califados e impérios, faziam música para entreter, mostrar a beleza e exuberância de suas sociedades e criar uma identidade própria, uma marca que os diferenciaria. Os japoneses procuravam o prazer e o deleite proporcionados pelo Nirvana, com seus singelos tambores e instrumentos de corda. Os nativos americanos procuravam glorificar a exuberante natureza que os cercava, coisa que até hoje poucos compreendem tão bem quanto eles. Os europeus, por sua vez, punham sua história, seu pensamento, sua busca por Deus ou por algo equivalente em suas canções.
Exemplos, logo, é o que não faltam; ao contrário, sobram aos montes. O mundo, porém, desenvolve-se e com isso, surgem novas formas de se fazer música. Primeiro, a lógica invadiu esse âmbito da arte humana, trazendo consigo a exatidão do ritmo, do tom, das notas musicais, da temporização. Mais um pouco depois, a acústica invadiu esse campo, tornando capaz a fabricação e criação de novos instrumentos musicais, além de possibilitar uma melhor orquestração da mesma. Após isso, a elétrica e a eletrônica entraram em ação, tornando os instrumentos mais potentes e os amplificadores que permitem uma melhor divulgação do som musicado. Com a globalização, finalmente, foi possível transformar a música em bites e transportá-la pela internet, permitindo um melhor conhecimento dessa arte de todos nós.
Voltando às minhas próprias férias, quando possuo um maior tempo, fico fazendo dowloads de músicas, da mais comum à mais inusitadas e exóticas, em especial desses dois últimos tipos. Tenho prazer pelo desconhecido e busco construir a minha própria identidade, baseando-se, não unicamente, nas canções que admiro.
Há algum tempo já, ovui falar num novo tipo de música: o vocaloide. Esse novo estilo ainda é desconhecido da maioria hoje por razões provavelmente sociais. Baseia-se numa total digitaçização da música: nem o cantor é real, tudo é virtual e imaginário, diáfano e utópico. Procurando novas experimentações, buscando as sensações, os sentimentos, os paladares, olfatos, visões e sabores dessa nova forma de conceber música, decidi ouvir alguma música desse tipo.
Encontrá-la, incrivelmente, não foi difícil. Era japonesa, distante de um mundo inteiro, mas com a internet, reduziu-se a alguns segundos relativos ao carregamento do vídeo. A cantora virtual era bonita, diferente: mostrava um avatar, uma imagem provavelmente real da alma de muitas artistas. Era branca, sorriso estampado e longas e belas madeixas...verdes. Era uma cantilena romântica, a letra parecia melosa, mas valia a pena ao menos ouvir e experimentar.
Em miúdos, a música falava das emoções de uma mulher (ou seria uma menina) de ver o amante abandonando-a por outra. Ela, ao perceber essa situação, inconsolável e descrente de sua paixão, considera o amor uma eterna guerra, em que nunca se é feliz. Sua meta é monstrar ao seu amado todo o seu Amor para ele.
Primeiramente, acho que alguns já estão fartos de músicas, textos, roteiros, fimes sobre esse mesmo roteiro. Em segundo lugar, gostaria de ressaltar que a música, diferentemente de todas que ouvi, não tinha o fundamental: sentimento. A voz da vocaloide, além de ser exageradamente estridente, não tinha nenhuma variação. Seu ritmo era constante, entrecortado apenas por alguns fadeouts. Não mostrava a tempestuosidade da melodia, o gracejo da confusão. Era simplesmente uma estrutura programada e memorizada por um software. Posso estar enganado, mas realmente não senti qualquer tipo de êxtase ouvindo essa canção. Provavelmente, tal sensação de puro maquinismo musical se deve à tal tecnologia, a qual evolui nossa inteligência, entretanto nos leva ao quase total entorpecimento sentimental.
A existência de técnicas "pós-modernas", como os vocaloides e outras coisas do tipo, têm tornado a arte humana uma indústria cultural, impossibilitando-nos de sentir o âmago do amor e da dor. às vezes, nem mais religiosas das músicas, sequer temos sentido a essência divina*.
Não afirmo, porém, caro leitor, que o progresso tecnológico não seja proveitoso e preciso para nossa própria evolução filosófico-intelectual. Cabe à humanidade determinar aquilo que realmente lhe servirá para tais objetivos e aproveitar-se ao máximo disso. O resto, simplesmente é resto: se esvai com as feridas do tempo.

OBS: Essência divina foi um termo usado para ecumenizar o significado da divindade, tornando o texto mais religiosa e culturalmente aceito, evitando possíveis polêmicas. Aliás, basta de guerras santas ;D

A Fera Humana

Frutífero é o labor de educar
Mas a árvore onde se desenvolvem, porém
É frágil como a violeta do campo:
Seja no fulgor, seja na geada
Não resiste à menor das intempéries
Dor sinto ao ver a fronde daquele menino:
A inexpressão, a dor não sentida
O martírio mas doloroso, pois, é aquele
Que não se pode demonstrar.
Fogo que arde na mente,
Gélidas vozes, a cruciar
O fio fino da consciência a desfiar
Gritos, rangeres de dentes, uivos,
Grilhões, gemidos, suspiros
A Dor para quem a tem como
Melhor e única companhia
Fera loura e balofa
Filho das árias,
Que mataram os filhos de Isaac
Ouça o silêncio de nosso perdão
A serenidade de nossa distância
Mesmo que não compreendas aquilo que digo
Letras minhas escárnio não são,
Apenas se fazem como lamento de tanta dor
Que nem sabe como causaste
Responsabilidade nenhuma tens
Pelas pancadas dadas nela
És como nós:
Monstro e Anjo, mais o segundo que o primeiro
Não vês a lama em que estás chafurdado,
A dor que sentes pelos miasmas e nódulos,
Pelos bichos que saem de teu corpo?
Dor tão grande sentes,
E nós também passamos a sentir uma parcela da tua.
Malgrado o nosso bem-querer,
Teremos que conviver-lhe até o seu esvaecer
Dor, cruz que todos carregamos
Tanta sofreguidão nos faz
Mas traz os ventos esperançosos
Dos frutos vindouros da luz da harmonia.

Mar Bravio

Insidiosas tormentas
Horizonte estreitado pelas espessas nuvens
Loucura fria, vinda do anil inferno
Glória fugaz, que leva e trás
As certezas e incertezas dessas vidas
Vidas essas surgidas da ópera impetuosa
De um mar em fúria
Sobre o mar, fortes espasmos elétricos
Provindas da agitação de leves moléculas
Na água fervente e agitada, átomos se desencontrando
A desarmonia que se tornara vida
Vida simples, tão irracional, tão calma
O tempo, porém, passou
Surgiram seres maiores, tiranos de cérebro felino
Cujo poder se emanava pelos berros e seus dentes e garras
Trevas, entretanto, obscureceram a vida desses répteis
Aparentemente fortes, mas frágeis.
Vivia a Terra numa calma natural
Estado de igualdade selvagem
Nem parecia que o ser mais brutal
Daquele solo fértil brotaria
Dos símios surgiria
Esse ser, tão inteligente e tempestuoso
Como pensamentos tão racionais
Puderam se tornar tão irracionais?
Como o amor, a sintonia máxima entre dois seres
Pôde ser tão corrompido pela posse?
É o instinto do mar
É a ligação que tais criaturas têm com sua origem primeva
Que perdoe o mais nobre autor da frase que dizia:
"Do pó voltará aquele que da terra veio."
Mas agora, o mais correto seria
Que de volta ao mar suas crias devem retornar

Férreo Amor

Beleza essa que vejo da janela:
A luz esplendorosa do astro Rei
Ar tão puro, tão límpido, tão refrescante
Paisagem bonita, exuberante mata verde
Contrastando com o barulho da locomotiva
E você, ali do meu lado,
Bela que meus olhos marejava
Castanhos cabelos, pele perfeita
Olhos suaves, leve maquiagem
O cheiro da rosa dos seus poros exalando
Sangrando de deleite o ar que o absorvia
Lábios vermelhos carnudos,
Queria eu beijá-los,
Sorver a doçura do seu sorriso
Aprazer-me das curvas sinuosas de sua geometria
Passar minha mão por esse corpinho cálido
Sentir o ardor do abraço
Mais do que amor, fraternidade
Acariciar suas costas e seios,
Levemente queimados desse Sol
Quisera eu ter a sorte de falar com ela
Ouvir sua voz de veludo
Compreender toda aquela linguagem inteligente e voluptosa
"Acordai, homens, dos seus indecorosos sonhos!
Vê o pecado que cometem pensando em tais coisas
E andai para frente, avante!"
Ilusão a minha foi acreditar
Que havia alguém pra mim
Alguém tão formosa, mas tão distante
Enxergo o cinza das calçadas, o negro dos edifícios
E o verde-pálido das moitas
Cérebro imperfeito esse,
Não observa quão solitário
É o destino de seu usufrutuário.

Imperceptível Ardor

Os que amam, pobres deles!
Ofuscados pelo mais ardente fogo da paixão
Que fumaça bastante levanta
E cinzas demais deixa pelo seu rastro destrutivo
- "Grandes paixões constroem a vida
Salva a destroçada vida
Purgatório daqueles pecadores!
Apaixonem-se, que é esse
O grande absinto da fraqueza carnal"
Mentira!
Abissais seres os que dizem isso
Nesto árido e estéril solo em que psiamos
Reinam a ambição, a obsessão, e o imediato prazer
Ridículos humanos!
Sempre desejar a morte do próximo, em vez de amá-lo.
- "Paixão, ardor invisível,
Sentimento máximo do nobre coração humano!
Acreditem no amor, pois salvá-los-á"
Farsa!
Não troque um sentimento tão harmonioso
Por outro tão vil e ardiloso
Como posso acreditar em algo tão ilusivo,
Tão morto, tão mortal?
- "São vocês tão pessismistas?
A paixão é natural,
Selvagem instinto humano
Sinta o ardor do sangue
Pulsa esse pelas suas artérias
Levando esse sentimento tão honrado
Para seu coração"
Dissimulações!
Ao mesmo tempo que sentimos o rubro calor
Vislumbramos o frio confortador do desencarne
Que se aproxima a cada Sol passado
Tudo que fala é pueril, fantasioso
Nada disso é real
E que assim seja sepultado
O sentimento mais vil da humanidade:
A paixão.

Essência Morta

Sorveis o vinho, ignorantes!!
Vidas mortas, trabalho excessivo
Mortificada carne pelo labor,
Recupere suas forças no
Alcoólico ócio
Acordais no domingo, mórbidos corpos
Assiti a reunão daqueles que devem ser santos
Motifiquem-se pelo pão Ilustrado
Daquele que parece nos ter deixado
Mas por nós sempre olha
Acreditai na propagada mentira
Famigerada pelos grilhões televisivos
Admirai as ilusivas luzes,
que ofuscam e cegam
Ríeis, do nada,
Daquela piada pueril,
Daquele falso beijo
Deixai ser alienados
Esqueçam do externo,
Importai-vos convosco mesmos
E sejais felizes,
sem nem mesmo saber
que seus corpos
São garrafas vazias
Do mais puro vinho.

No Coletivo

Morre o dia
A gare imunda tem levantada sua poeira
Pelos seres abissais que emergem
De seus trabalhos de fome
Das suas vidas murchas
Amontoam-se em espaços estreitos
Compram gordurosos salgados
Fedem a suor:
"O fruto do trabalho
Dignifiquem-se, pois,
Deus irá lhes tirar
Do opróbrio que vivem"
Mentiras ecoadas
Disfarçadas pelos melodramas musicais
Que pela caixa de som ecoam
Acalmando a prole faminta de soluções
Batendo sucata, o trem cinquentenário
Chega a estação
Não solta fumaça, mas tem cheiro de queimado
O bando entra nas composições
Segura nos ganchos quebrados
Se apertam
Se amontoam
Se amassam
Sem nem mesmo se conhecerem
Se aconchegam e se esquentam
Mas incólumes permanecem
No doloroso e calorento silêncio
A porta abre e fecha,
Abre e fecha,
Abre e fecha
Alguns ficam de fora,
Outros conseguem um espaço diminuto
E assim o trem parte
No meio da viagem, que suplício
Ar saturado, de vapor de suor
De gás carbônico
De cansaço e desgaste
De sujeira e pó
De histórias a contar
Naquela estação,
Quanta falta de respeito!
Touros que nem esperam as pessoas saírem,
Retomar o fôlego asfixiado
E depois mais abre-e-fecha
Tornamos à viagem
Nos preparando pra mais um dia
Que poderá ser igual
A esse, especialmente
Na hora da volta.

Alegria, Alegria

Que entediante lugar
Observe o cinza no predominar
Das roupas, dos prédios, do chão,
Até dos jardins
Os bichos estão em tons de gris
Respire essa poeira de concreto
Esse barro tão mórbido,
Essa atmosfera pesada
A vida, veja como ela é
Relógios, horários
A criatura voltando contra o criador
Vida lúgubre, realidade insana
A loucura vira razão
Mas nem toda razão é loucura
Nscemos puros,
A escola lança-nos a Verdade
Entorpece-nos o trabalho
Rítmico, constante, mortal
Nos envenena a televisão
Com sua ditadura
Com seus folhetins sangrentos
Com sua apartada realidade
Vida se torna número
Número se torna inteligência
Inteligência se torna poder
Poder se torna consumismo
Consumismo se torna lixo
Lixo se torna terra
A terra cai, a morte reina
E a culpa, simplesmente a natureza a tem
Malditos fantoches que nos governam
Quem afinal será aquele que detém todo o poder?
Sem escapatória esse problema
Você vem e tem de encarar isso
Tem que ser humilhado
Tem que ser escarnecido
Tem que ser sobrevivente
Tem que ser servo
Tem que ser ignorante
Tem que ser um nada
Vida, que ilusão é essa,
De nos mostrar que tudo é perfeito,
Quando tudo não passa das ruínas?

A Revelação

- Não vês, meu moço, em que transformas a tua vida? - Falou-me a moça de olhos verde-esmeralda. Mostrava a aflição que uma mãe tem pelo seu filho, que uma amante tem quando seu amor começa a titubear em suas declarações românticas.
- Ainda procuras um caminho a seguir, sempre determinado, sempre cego pelo teu próprio ceticismo. Estás entre o Céu e o Inferno, assim o consideras, mas nem sabes como lá se chega. Buscas um sentido pra vida, devaneios e subterfúgios que te levam a esquecer seu sofrimento.
- Peraí, não sabes quem sou. Pelo menos, nunca te vi em minha vida. O que te motiva a comigo falar, ainda mais sobre tão intrínsecas questões da vida minha? Não percebes que bem estou assim, na minha dúvida eterna? - Assustado estava, pela beleza tão sensual daquela mulher falar tão sábias frases.
- És cego pelo físico, e insipiente pelo abstrato. Bem estás, mas vives não a vida. Perceba que não é à toa que vives em sociedade. Não à toa é se tua alma foi feita pra ter paixões. Procuras um sentido na vida, entretanto não percebes que a vida é uma equação indeterminada. E então, tolo, estás libidinando-te com o simples e vão questionamento? Sinal, pois, de que não sabes filosofar.
- Como atreves tu a falar-me assim? Minha filosofia é boa, e rende bons frutos a mim.
- Mais um sinal de que tua razão não passa de um monte de argumentos estapafúrdios e de fundamentos isentos. Como considerar bom aquilo que é duvidoso? Como confiar naquilo em que não se confia? Só tu mesmo, pra criar um castelo de areia, à beira-mar, ainda por cima.
- A vida...tem razão. Se não, o que dela seria? Uma viagem alcalóide aos pútridos domínios físicos? Um traço sozinho na curta e vã existência?
- Pobre tolo, que não vês o infinito na sua fronde e às suas costas. Não enxergas os opostos, num constante tempo?
- Tola és tu, que ainda te situas na Grécia antiga. Todos sabemos que não há opostos lutando entre si.
- Realmente, não há. Porém, é assim que nós percebemos o mundo, ainda. Somos muito frágeis, muito ignóbeis, ante os mistérios do Universo. Devo agora ir.
- Peraí, ainda não sei seu nome, sequer. Ainda nos encontraremos?
A praia agora mais silenciosa ficou. Ela foi andando, andando, andando, quando repentinamente a escuma nebulou seu caminho. Que graciosa mulher era aquela. Nunca pensava eu que conheceria uma mulher assim: real.



Point Of Turning

There was a beach, a beutiful one. The Sun has been faded, people have already gone out there. The sea beauty was silent, allowing a reflection. Waves were my only company. Something that could be my friend, though that moment. My life always has been a beautiful symphony. However, no one has wanted listening this until this time.
That human forms, I have forgiven at all. Maybe, I was wrong. Or not. I'd never find this, if that fact did not happen in my life. All was doubt, before seeing her. I have been covered by a heavy fog, made for sorrows.
Suddently, I saw her. She had a rebel hair, but it was comb; had a pale skin and a bright in the green eyes, like two emeralds. She have looked at me, worn with a long blue gown. When she did it, she smiled and said:
- Don't be afraid. You have never been alone. I'm by your side, always, but I never could meet you.
It wasn't impossible, I was scared. I have never thought meeting someone at this place. It was so beautiful to being visited frequently. I asked:
- What are your objectives? Who are you? Why meeting me here? My confusion....
- This is our common subject. We need to talk about this...
(Continuação em Português)

Feliz destino

Qual feliz destino

Teve região aquela

A mata virgem dantes

Repleta dos altos eucaliptos

E do mar, a areia branquinha

Povo? Quase nenhum

Alguns somente pescadores

Que peixes pegavam

Por inocente distração

Baixada entre o morro

E o desbravado Atlântico

Lagoas azuis como da galega

Os olhos

O empresário, então, chegou

Construiu um prédio

E logo outro o fez

Inocentemente tanto,

Que ninguém percebeu

Os generais tão-somente

Empreenderam casas

E prédios populares

Justiça era aquela

Que construía

A casa do mísero

Mas isolava-o

Da beleza da Tropical

Filial parisiense

Chegaram, destruíram,

Asfaltaram

Há pouco chegaram os

Midiáticos, os magnatas

Viva expressão da

Novo-riqueza carioca

O shopping ali veio

Trazendo consigo

Os narizes empinados,

Maiores que os próprios cérebros

Tanta pujança, riqueza tamanha

A pobreza, ali do lado,

Quase excluída

Terreno purgatório dos

Mortos-vivos econômicos

Pivetes nascidos

À porquidão do mínimo barraco

De um útero mal-desenvolvido

De uma adolescente ignóbil

Por um marginal brutalmente estuprada

Vida depravada

Descalços pés, Jesus também o fez

Não como esse moleques,

Com pés perebentos

Pelos fungos, ratos, formigas, cacos de vidro

Assumindo inúteis compromissos

Persistindo na insipiência da mãe,

Pois sumido, o pai o é

Banhos de Sol, pelo córrego

Repleto de lixo, e fezes, e cadáveres

Surfando pela imundície

Das impurezas dos favelados

E da classe emergente mediana

Aos dez, começam ao Baile ir

Pra presenciar a promiscuidade

Fazer também parte dela

Perdem a pureza nunca tida

E enveredam pelo caminho

De tóxicos, e de miséria, e de extrema loucura

Malignos alcalóides, quais os matam

E os loucos tornam

A isso paralelo,

A família do feliz magnata:

O patriarca, cedo pra trabalhar sai

Obter o sustento supérfluo da família

Passa o dia todo no ócio

De seus negócios

Ainda com uma amante mantém

Relação de frios e sórdidos desejos

A martrica, de fantasia vive

Na compras em grandes lojas

Sempre na moda está

Usa a casa como dormítorio

E de visitas, receptáculo

Toda a responsabilidade,

Deixa com a secretária, babá, empregada

Os filhos, então,

Carentes e abandonados pelos pais

Frutos vistos de salvação do casamento falso

De brisa e da herança vivem,

Alheios a tudo o que real é

As lagoas, cobertas de lixo e lama

Bactérias putrefatas anaeróbias

A morte desse verde, nas águas abundante

As praias, repletas de porcos

Tratos deselegantes,

Promiscuidade evidente

Vergonha total ausente

Que feliz destino essas paragens

Tiveram!



Diário dos que Ficaram

O hino brasileiro apresenta-se como uma das mais belas e românticas declarações de amor à pátria. Entretanto, sua estética literária, de tão formosa, esconde muitos segredos do Brasil. Sonhos, esses às vezes, ou melhor, quase nunca, são correspondentes à realidade.
Era, porém, a forma desse grupo de autores pra se expressar, através de mentiras sujas e malditas, ao contrário da consideração humano-filosófica pela sua parte. Floreios vários e inexistentes borrões, na grande aquarela que tornaram nosso país. Doçura imensa a deles transfigurar sua cega ambição econômica em amor declarado às matas nativas desse lugar. Transformaram o índio em herói, mas se esqueceram de dar aquilo que eles mais prezam: a total liberdade.
Tanta beleza, ocultando montes putréfatos de exploração, cidades fuliginosas, negros oprimidos. Agora, com o mesmo objetivo desses sonhadores, os poderosos de hoje decidiram fazer a caridade, aos olhos deles mesmos. Pra debaixo do tapete escondem a imundice que se tornou a nossa educação, que o podre ianque fez questão de esfrangalhá-la.
O paraíso tornou-se despotismo. A ditadura acabou, mas com ela, veio o rastro blenorrágico da corrupção, do desrespeito absoluto com o cidadão humilde. Os autores do hino nacional colaram da 'Canção do Exílio', louvando a pátria, mesmo que de longe. Porém, com o degredo, levaram todo o belo, mostrando-o a todos os estrangeiros. E nós, como ficamos, sem o verde forro que nos cobre?

Caim e Abel

Disse-nos o Mestre:
“Tenhais a bondade das criancinhas,
Pois é delas o reino dos céus.”
Desde quando ouvida,
Tentei praticá-la
Com o esmero todo
De minhas forças
Amei, confiei,
Transmiti carinho
Fui paciente
A resposta, porém,
A pior possível foi
Saberia como eu
As desavenças desse mundo?
Cancros perispirituais
Laços meramente carnais
Vidas só que se cruzam
Ardil, vil e ferino
Pro combate
Pátria – que esse ente é?
Apenas o espólio egóico
Uma desculpa pras pessoas
Algo terem de se preocupar
Estado atroz,
Cospes o que comes no prato
Que tão esmeramente lho demos
Talvez, nesse planeta
Melhor não seja amar,
Esse sentimento tão antiquado
Bom mesmo é sair daqui
Desse penitencial limbo
Como um anjo
Que forma
Com angelitude sairei,
Se só vejo o sadismo dos ogros
Por detrás de tantos
Paraísos parnasos?

Retrato

Essas são simples palavras, de alguém que nada conhece da vida, e nem nunca a conhecerá tão bem quanto o quer. É uma das minhas primeiras experiêcnias na poesia, forma tão nova e desconhecida que surge, e pulsa, e clama, de forma inesperada. É simplesmente algo que ainda não domino.

Estava cercado de caixas
vendo fotos, num vai-e-vem
como o vento que sopra nas faces
brancas e encardidas pela desatenção,
pelo descuido daquele que lhes escreve.
Pensei nas fotos minhas,
sorrisos e olhos congelados no papel
as emoções tão inexistentes.
Pensei que nem fosse eu ali,
na realidade, em nenhuma foto
senti-me tão autêntico
quanto na minha vida
nem na infância minhas fotos
eram fidedignas a minha 'idion'.
Quem são esses,
os sorrisos que rasgam o meu rosto
cheio de realidade,
acostumado com a vida,
essa filha-da-puta
que ora nos dá flores,
ora nos dá desgostos vários?
São retratos, falsos pedaços do Eu,
perfeitamente rasgáveis;
tenho certeza de que, há trinta anos,
se não fossem digitalizados os malditos,
os veria cheios da marcas das traças.
O retrato, com um rosto bem jovem, bem feliz,
e as mãos que o segurariam,
enrugadas pelo trabalho
e com o manejo
daquelas curvas sensuais, inconstantes
arredias como sua dona.
Pelas mãos, observo tudo o que veio antes
Todas as alegrias,
desilusões,
tristezas,
encontros.
Vi a vida,
vi a morte,
vi a ressureição,
vi a felicidade
vi o prazer momentâneo.
Tudo isso, porém,
penetrou em mim,
de forma tão profunda
mais profunda que todo o meu
montante de retratos.

Brasília: A Cidade da Esperança?

Nos últimos dias, com a chegada do Carnaval, a gente começa a saber melhor sobre os sambas-enredo que as escolas apresentarão. Uma escola aqui do Rio, e, coincidentemente, uma de São Paulo, vão homenagear os 50 anos de Brasília. Tudo isso vai ser financiado com o dinheiro do Distrito Federal, arrecadado do povo, que às vezes com muito esforço o faz. Paralelamente a isso, vemos, em todos os meios midiáticos, o escândalo da corrupção, no mesmo governo que financia desfiles pomposos. Caso esse, que culminou na prisão do próprio governador do DF. Aliás, parece que a relativamente curta história de Brasília é tão podre que nem há meios de esconder tanta impureza.
A construção de Brasília, poucos sabem, foi conjecturada muito antes da independência brasileira. Para se ter noção, uma das intenções dos Inconfidentes mineiros era centralizar a administração do país, que seria criado por eles. Desbravadores, financiados pelo governo imperial, iam até o Planalto Central, então no meio do nada, onde pouquíssimos índios habitavam, para provar que lá era o local ideal pro governo, sustentando um ideal, e não uma realidade.
O mirabolante plano tomou melhor forma na proclamação da república. Os mesmos militares parnasos e sonhadores, que utilizaram de um falso argumento pra, na verdade, aplicar um golpe político no Brasil, lotearam a área onde hoje existe Brasília e prometeram construi-la, pra integrar o interior do Brasil às áreas que eram mais dinâmicas economicamente. O único problema é que a nossa recém-nascida república tinha os políticos mais mentirosos e corruptos da história. Como diria nosso estimado presidente: "Nunca, na história desse país, houve uma corja tão forte de ladrões políticos." A sua desonestidade era tal que dá-me incrível repugnância ao lembrar das marmotas nas eleições, dos currais eleitorais, dos analfabetos funcionais, que somente eram ensinados a ler pra votar em algum candidato. Enfim, só pelos seguintes fatos, já deu pra notar que essa promessa ficou no papel, como muitas ainda hoje.
Então, chega Juscelino, nosso grande demagogo, que querendo impressionar o povo, decide tirar do papel essa idéia. Porém, o fez do nada. Simplesmente, não havia estradas pra lá, nem mão-de-obra no local demarcado. Levou tudo, desde material de construção, provavelmente já superfaturado, de avião, e mandou trazer uma cambada de nordestinos miseráveis, que ainda se orgulham por serem chamados de calangos.
Depois de gastar cinco anos construindo a cidade, toda num estilo modernista ou futurista, sobre bases podres, sobre os cadáveres dos calangos, gastando dinheiro até das reservas do país, inauguraram Brasília, no mesmo dia da morte de Tiradentes.
Voltemos ao dias de hoje. Visitei Brasília há algum tempo, e vi quão moderna a cidade é. Acontece que é impossível você andar pela cidade sem carro, o que empesteia a cidade com os conhecidíssimos Gás Carbônico e Dióxidos de Enxofre e Nitrogênio, enchendo nossos pulmões de fuligem, só que não misturados à umidade, já estamos no meio da América do Sul e num planalto de grande altitude. Observamos o centro do Distrito Federal, ou seja, Brasília, pujante, com seu povo jogando dinheiro fora, e o seu redor, miserável. É isso que agrava as nossas desigualdades sociais.
Isso me lembra um santo italiano, Dom Bosco, que é venerado em Brasília, por ter dito que sonhou com uma terra situada entre os paralelos 15 e 20 Sul, rica como a nossa capital. Se ele estivesse vivo, ou, se pelo menos, tivesse algum tipo de contato com esse santo, perguntar-lhe-ia se ele viu o seu entorno ou se verificou a existência de tanto dinheiro. Sim, porque isso ainda é uma dúvida entre todos os cidadãos brasileiros.
O Carnaval já começou e, com eles, os desfiles. A minha esperança é que a linguagem do dessa festa carioca, conhecida pela sua riqueza e incrível subjetividade, seja capaz de transmitir não só a beleza da capital do futuro, mas sim a sua verdade. Por último, dou a Brasília meus parabéns pelos seus cinquenta anos, de corrupção, egoísmo, materialismo e exclusão social.

Coisa Pública

Começo mais essa postagem com uma modificação no meu habitual perfil. Fiz dezesseis anos, e com isso, novas responsabilidades batem à minha porta. Segundo as leis brasileiras, agora eu já posso, facultativamente, votar. Mas aí eu comecei a pensar sobre o que seria o ato de votar. Observei que, estranhamente, a interpretação dada a essa ação pode adquirir diversos significados, conforme a intenção daquele que pensa.
Alguns muitos levam esse termo pro simples ato de votar. É como se somente fosse uma festa, ou um dia diferente, simplesmente. Pensa-se somente no momento, não se fazem grandes projeções, nem pequenas que sejam, sobre o que aquilo poderá desencadear em nossas vidas. O cotidiano apressado, que não permite tempo hábil para o bem pensar, além da desestimulação a esse, contribui pro agravamento desse problema.
Se bem que, não é mentira pra ninguém que o povo brasileiro sempre serviu de curral eleitoral. Os ufanistas que me perdoem, mas essa é uma verdade crucial. Nós sempre fomos treinados pra não nos importarmos com a política verdadeira, desde o berço. Quando a república brasileira foi fundada, o povão nem tinha noção do que estava acontecendo. Mal sabiam eles que aquilo era um golpe sujo dos militares, que aos poucos foi abrandado pra uma passagem dos mais destemidos, daqueles que queriam inovar e modernizar o Brasil. Mas nada disso ocorreu.
O problema fundamental, e que muitos poucos chegam a tangenciar tal questão, é sobre o que se define como cidadania. O estranho é que essa palavra já é usada há uns 2500 anos. Sempre foi puxada pro significado que proporcionasse o poder a poucos. Em Atenas e Roma, era restrita aos homens maiores de 21 anos e nascidos nessas cidades, além de serem poderosos, o que limitava a porcentagem de eleitores a menos de 10% da população. Depois das revoluções capitalistas, o voto, durante muitos anos, esteve nas mãos daqueles que ganhavam mais. O cúmulo dessa situação quase ocorreu no Brasil, em que se projetava considerar como eleitores aqueles que tivessem um número fixo de alqueires de mandioca. Por sorte, nosso primeiro ditador, Pedro I, não permitiu tal devaneio dos nossos "Reis da Cocada Preta".
Hoje, as pessoas pensam que, pra serem cidadãs, basta ter o direito a voto. Mesmo depois de tantas provas que mostram o significado acima, desde a origem da palavra, prefiro usar a minha acepção pra tal termo. Cidadania significa participar dos fatos ocorrentes na comunidade onde se vive, tentar resolvê-los, procurando primeiramente as nossas autoridades. Mas isso é utópico demais, já que nunca vi nenhum político que atendesse prioritariamente algum pedido da comunidade fora do período de eleição. Logo, devemos partir ao plano B.
Se não adiantar o pacífico, por que não tentar o mais ousado? Concordo que sou pacifista, procuraria negociar antes de atacar, mas acho que em muitas situações, poderíamos utilizar da nossa união pra promovermos protestos, mesmo que sejam pacíficos. Exemplos não faltam; basta lembrar de Gandhi. Mas esqueci que muitos preferem não pensar profundamente, então nem adiantaria. Mas, certamente há uma arma melhor, e tá sempre em nossas mãos.
É o direito de voto, aquele que confirma, e não configura, a cidadania. Então, nesse ano de eleição, em que provavelmente irei votar, vamos nos lembrar de uma coisa: voto consciente é o que há.

Vogelfrei

Volto a postar aqui no blog após quase duas semanas. Em primeiro, surpreendo-me com a rapidez imperceptível do tempo, tão valorizado hoje em dia. Também admito que esse foi um período em que, por diversas razões, não tive inspiração alguma pra escrever sequer uma linha. Mas, nesse dia, a maré mudou, devido a uma notícia que, ao mesmo tempo, é triste e revoltante.
Teve uma média repercussão nos noticiários dos grandes impérios televisivos, responsáveis por nos entorpecer, dia após dia, com notícias fúteis ou, quando não, por tragédias do pior estilo, uma manchete que poderia ter se tornado "comum" nesses programas, se fosse ambientado na maioria das escolas. Infelizmente, não se fez tal fato. Cito, para os que não sabem, o acontecimento ocorrido no Colégio Naval, em que um estudante, ao contrário do que disseram os algozes midiáticos, enlouqueceu devido à pressão exercida pelos estudantes e pelo próprio corpo de oficiais (ou feitores).
O Colégio naval, admito, nunca foi admiração ou sonho meu. Ao contrário, não concordo com o modelo educacional e filosófico da instituição. Jamais conseguiria permitir um tolhimento da minha liberdade individual pra simplesmente conseguir sucesso, como fazem todos aqueles, que se sacrificam por um, dois, até três anos pra entrar na "Balilla". Aproveitando essa alusão à instituição disciplinadora (ou torturadora) de jovens italianos, à época de Benito Mussolini, pensemos um pouco no papel da instituição militar. O que fizeram esse grupo, sustentado pelo governo federal, nos últimos anos? Pois lhes responderei.
Digo, categoricamente, que as forças militares desse país nada fizeram pelo povo brasileiro. Posso até me consertar, afirmando que eles trouxeram consigo a truculência de um sistema autoritário, cujas consequências perduram até os dias atuais de nossa existência como país livre. Espoliaram o povo, obrigando os jovens a cumprir um alistamento desnecessário para si mesmos, pois somente lhes dá como dever limpar os quintais dos coronéis e levar pra passear os cães do senhor major. Isso lá é tarefa digna pra uma pessoa, que tanto luta pra conseguir um soldo que nem é proporcional ao seu esforço físico-mental? Afirmo também que os senhores oficiais, em sua maioria, nada fazem, a não ser mamar nas tetas das verbas da União, sustentada, quase inconscientemente, por nós, que somos iludidos por essa mesma classe pelo ideal de manter em nossos corações o instinto nacionalista e de manutenção à democracia, coisa tão piegas e antiga quanto a própria instituição.
A filosofia do atual militarismo brasileiro ainda tá ligada a frágil estrutura positivista. Tal modo de ver a sociedade assemelha-se a uma comunidade de formigas. Pois lhes pergunto: somos formigas, seres frágeis e irracionais, sem força suficiente pra nos revoltarmos contra nossas estruturas sociais putrefatas de tão antigas? Não, somos seres livres e temos direito a pensarmos e agirmos como bem queremos. Não devemos permanecer confinados num campo (de concentração) apenas em busca do sucesso.
Desde a época da proclamação da república foi assim. As forças armadas sempre procurando meios de convencer o povo de que estão fazendo o bem. Seja por parnasos, tremendos homossexuais encolhidos que criaram essa palhaçada de serviço militar obrigatório, seja por militares inspirados no nacional-socialismo, pregando que uma mentira, quando repetida mil vezes, torna-se verdade. Pra eles, a disciplina, o peito estufado, a falsa objetividade são a glória pra quem quer que seja. Estão enganados, principalmente nos dias de hoje.
Termino esse post afirmando que a maioria das ações das forças militares estão identificadas com atos totalitários, e portanto, devem ser execradas em meio público. A própria existência do militarismo é uma quimera. Cito palavras do ex-deputado Márcio Moreira Alves, que em 12 de Dezembro de 1968, fez um dos discursos mais desafiadores ao militarismo brasileiro:
"A impessoalidade das conquistas do Direito é uma das mais belas realidades da luta dos povos pela liberdade. O nome dos barões que, nas pradarias de Windsor, fizeram o Rei João Sem Terra assinar a Magna Carta, perdeu-se nas brumas do tempo. Mas o julgamento por jurados, o direito dos cidadãos de um país livremente atravessaram as suas fronteiras, a necessidade de lei penal anterior e de testemunhas idôneas para determinar uma prisão, continuam a ser um imorredouro monumento àqueles homens e a todos os homens. Esqueceram as gerações modernas as violências de Henrique VII da Inglaterra, porém todas as nações do Ocidente incorporaram às suas tradições jurídicas a medida legal que durante seu reinado e contra ele firmou-se – o hábeas corpus. [...] Não se julga aqui um deputado; julga-se uma prerrogativa essencial ao Poder Legislativo. Livre como o ar, livre como o pensamento a que dá guarida deve ser a tribuna da Casa do Povo. A Constituição proíbe que se tente abolir a Federação e a República. No entanto, os parlamentares podem defender da tribuna a monarquia e o estado unitário. A liberdade de expressão no Congresso terá de ser total para que o Congresso sobreviva. Muitas vezes, em períodos conturbados de nossa História, e ainda recentemente, deputados discursaram em defesa de um regime de exceção."

(Des)Prazeres da Vida Cotidiana

Muitas vezes, eu me pergunto qual seria o porquê de não postar tanto como planejava no blogger. Outras vezes, também me questiono por que as pessoas muitas vezes preferem ler simples babaquices cotidianas, fofocas várias, ocupar-se de coisas tão passageiras e desimportantes. A vida me parece às vezes um emaranhado de futilidades.
A primeira questão a ser lançada é se criamos isso ou se isso já vem pronto pra nós. Por que será, que nós, envolvidos em estratagemas científicos intrincados, alguns ainda nem descobertos pela ciência de hoje, ainda presa a modelos fúteis? Seríamos, então, criados pra simplesmente aproveitarmo-nos da mídia mentirosa, que espetaculariza pessoas, às vezes inocentes, às vezes oportunas demasiadamente?
Certamente, a vida é muito mais do que isso. Qualquer que seja a sua cultura, provavelmente tem como base educativa a busca de novas experiências, utilizando-se de diversos meios. Pra isso, existe um mestre silencioso, que não utiliza-se de lousas, lições, ou sermões fora do comum. Não há também, com esse mestre, provas orais ou escritas. Tudo é baseado na prática e no erro e na dor. Assim, com certeza, qualquer um, cedo ou tarde, aprenderá a lição.
Mas todos se esquecem disso. Preferem ver a banda passar, acompanhar a vida dos outros, ou quem sabe, a vida daqueles que nunca virão a existir. Querem ver toda a candura, amor, paixão, e desventuras em outras pessoas, já que têm a vida apagada pela indústria que fomenta tudo isso, que quer ganhar lucros e mais lucros em cima de pessoas que já nascem com o humor de mortos-vivos.
E é daí que surgem muitos de nossos problemas cotidianos: da mídia, que ao mesmo tempo que entrona heróis, desterra vilões, enquanto nós simplesmente passivos assistimos.

Sobre A Beleza das Coisas

Agora, um novo ano começou. 2010 chegou, mas a vida continua. Faz algum tempo que sequer mexo no blog, ainda que me sobrem ideias, que vão e vem no turbilhão mental, num escoamento bastante turbulento. Algumas, porém, necessitam ficar mais algum tempo guardadas. Precisam ser atualizadas e construídas, aos poucos. Confesso que não sou perfeito. Às vezes não escrevo porque simplesmente falta-me a disposição, o ânimo suficiente pra abusar da conexão banda larga e gastar o teclado. Facilitando tudo, também faço parte de um time vergonhoso, o da preguiça.
Mas hoje, num sopro repentino de inspiração e de energias, decidi voltar ao blog. Falar de algo que, quando lido, pode causar em alguns reações inesperadas. Mas o que é o ofício de escrever, senão o de expressar as ideias, sejam elas quais forem? Em alguns casos, a transmissão de certas ideias pode ser bastante perigosa, mas creio que perigo nenhum haverá em palavras tão desorganizadamente arrumadas nesse espaço frio de pixels e elétrons.
Alguns me perguntam, já há certo tempo, por que ouço músicas tão tristes, tão cruéis, tão sujas. Vejo no tom dessas perguntas um certo tom de preocupação, e me sinto agradecido por isso. Entretanto, a fala, às vezes, não me permite colocar em ordem todas as ideias, sendo que por vezes acabo por preocupar ainda mais aqueles que tanto me amam. Não desejo isso jamais, mas sei que fazem isso pelo mais puro amor que têm por mim, talvez de uma forma que nunca antes havia conhecido.
Pois então que pergunto, não somos constituídos de matéria temporária, barro efêmero e de fácil dissolução com o passar do tempo? Estamos, pois, num eterno vir-a-ser, como diria o sábio grego, passamos de um a outro oposto em um tempo relativamente curto. Pensemos aplicando esse conceito: O que seria o significado das coisas? Seria algo concreto, fechado? Ou seria algo aberto? Não mudamos, com o passar desse mesmo tempo, o significado e o uso das palavras? O jogo deve se repetir até mesmo em palavras que se mostram antônimas.
Aprendemos, de formas diversas, por exemplo, que a morte não é o fim e nem é ruim, e que muitas vezes a vida pode ser tão ou mais agonizante e sufocante quanto as sepulturas. Passemos pra outros exemplos: vejamos os espíritos mais elevados, ou santos, ou mestres, chamem como quiserem o que aqui falo. Qual será a fórmula do seu conhecimento? Na minha opinião, seria a vida livre, sem medo do que vem à frente, sendo possível a existência da dor.
Já li vários livros, que falam da dor como principal mestra em situações extremas. E porque não? É ela que nos permite pensar, articular ideias que possam deslocar obstáculos para que, quando vencidos, possam possibilitar o deslocamento evolutivo do espírito, ser ou ego. Um outro falava que a dor se deslocava de forma vertical, em direção às alturas, enquanto a felicidades, pros lados. Então, segundo o autor, a dor elevaria o ser, enquanto a felicidade aproximaria os iguais.
Aqui ponho uma ressalva em minhas ideias, um erro na minha conduta, que é a de não transparecer a alegria que há em mim. E é nisso que devo focar: emitir maiores vibrações de felicidade pra aqueles que amo demais, porque eles merecem, pelo amor que a cada dia dão pra mim, e que tento retribuir do jeito que posso e, às vezes, falhando, o que me deixa muito triste.
Voltando pro assunto principal, não é quando o céu tá mais enegrecido, obscurecido com vultosos cumulus, cumulonimbus ou stratus, que o tempo parece querer reagir, melhorando para que, no dia seguinte, o céu esteja totalmente limpo? Não é quando algo tá tão imundo, que a primeira reação ao vê-lo é limpá-lo totalmente?
Então, o que é Belo e o que é Feio? A resposta, talvez, nunca nos venha. Possivelmente, esse conceito seja falso, ou talvez sejamos simples demais pra entender tantas coisas. O que é certo é que meu amor é minha vida. E aqueles que amo nunca deixarão de serem amados, mesmo após de brigas, pois a compreensão e a paciência devem ser ainda treinadas por mim, ser errante nesse lugar ainda tão perigoso pra ser integralmente feliz.

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