Morbidus Operandi

Era um dia perfeito. Nunca pensei que pudesse viver um momento assim. A beleza, a exuberância...Parecia uma natureza morta de minha vida.

Finalmente aquele seria o último dia em que usaria aquele transporte. Desgraça de minhas manhãs e tardes. Incrível, porém, é como nós desenvolvemos afeto por tudo aquilo que nos maltrata.

Fui escravo e virei capataz. Isso era uma certeza comparativa. O que, talvez,  nunca deixei de ser é ser nego. Um nego que se nega. Um nego que açoita outros negos.

Não, amigo, estava numa estação de trem do século XXI. O estado era assim: a pintura era nova, a estrutura, velha. Sentei, olhei meu terno, minhas abotoaduras. Agora eu era executivo, eu fazia, eu tinha poder para tanto.

Quando entrei, sentei. Os outros negos, mesmo velho, aleijado, mulher ou criança, eu me negava a dar o meu lugar. A porta branca se negava a fechar. De tanto negar, escurecia. Os sinais anunciavam: a viagem seria longa.

Pessoas liam, pessoas conversavam, pessoas batiam palmas. Eu permanecia estático. Pensava. Não era lugar de agir. Não havia como agir. Era o último dia de uma vida. Hoje é outra existência. Eu abri uma porta, entrei, e a mesma tinha se fechado atrás de mim.

O celular, esse patrão me chamava, gritava. Era do trabalho. Sempre exigia mais. De mim. De todos. Agora, eu também queria mais.

Ainda me lembro daquele dia moreno, eu olhando nas vitrines verde-avermelhadas. O progresso, le maxime fashion au Paris, o status, the edge of glory. Parei. Era pobre. Era a minha realidade, e pobreza nunca inspira felicidade.

Hoje, eu compro a minha felicidade. Aspiro-a, acelero-a, como-a, bebo-a. Porque, sem dinheiro hoje, não dá pra ser feliz, hoje. 

Ponho o fone no ouvido. No tocador, tudo organizado pela máquina-artista, ou artista-máquina, não sei. A vida ainda não encontrou a resposta. Mas você se lembra do Scorpions? Eu estava escutando. Tão bom quanto a passagem dos bons tempos. Mas tudo é morto.

Um aperto, um desrritmo na bateria. Hora de trocar a faixa. Alguém gritava que o fim estava próximo. Não, o fim está aqui.

A viagem chegava ao fim. Estava inebriado de felicidade. Cara, é a última vez! Vejo um homem, um senhor feliz, mas com seu corpo destruído. Faltavam dentes, e juízo. Vejo um homem, um garoto sério, mas com seu corpo perfeito. Sobravam-lhe dentes e juízo. O que é, então, a felicidade?

E o final da linha é o final do tudo. Cerro os olhos às verdades, mas também às mentiras. E paro. Ofego. Saio do trem de minha vida. Bem disse aquela mulher:

"Em país de Terceiro Mundo, quem anda sem identidade, descansa como indigente."

Fogo na nova cidade

Eu andava
Mas agora fujo
Via os prédios reluzirem
Observo sua desgraça nesse dia

Lembra-te do futuro
O novo empreendimento
Majestoso, majestade cidade
Reduzida a simples cinzas

Estou aqui, no fim
E que agora é um (novo) começo
Tantos meios perdidos
Uma crença perdida
Uma civilização perdida

Mas sim, o fogo consumiu
Tudo o que não construímos
Tudo o que não vivemos
Resta agora um coração perdido
E outro íntegro - o teu.

Essa jóia, tão bem trabalhada
Tornou-se excesso
Ocupou espaço demais
Sentimento que não tem palavras
Não há descrição

bsdaifgvjdkfdjkfvbhfhbgutcybchdwsnsomdsidshbchxnfjhbvfbvfuyvbir
ncunbeiwncieqwowobfveurcbufvbguhfrgmoxouhgurcmrcueiym8vf,ifvi
ndiusvnfdiubviuvuiwewbuoeriw remhgremmowve v rteg8remw rf8uge

Tinta que vai se esgotando,
Tornando-se dor
Tornando-se secura

fvur rnbir gjni jgnbgu irfgvj cv vfgb dff cdac  fvfa fd sdc cd sd a
_______________________________________________

Só nos restou a linha vazia
A primeira linha
De uma história
Que jamais será contada.



Sem estações

O dia pode estar lindo...
O Sol está floreando o dia
A brisa fresca está tentando me alegrar

Mas não
Tento te apagar
Tento respirar
Mas não consigo

Minha pele procura sentir
Mas não dá
As fotos de minhas mente
Escurecem
O fogo consome minhas imagens
De fora para dentro

E nada mais resta a não ser a brisa
A mesma que te trouxe a mim
E que agora procura afastar-me

A Maçã Descartável

Eu fui usado
Eu estou em uso
Eu serei abusado

O silêncio impera
Sagrado silêncio da razão
Enquanto nós os ouvimos

Nisso, meu amor próprio
Cai à guisa da gravidade
Piedosa irmã do silêncio
Como a maçã - essa de falsa beleza
Que da árvore cai.

Slim Sonet

Ah, como queria
Sentir teu toque carinhoso
Poder ser teu
Por apenas um segundo!

Essa vida fumacenta
Esses amigos baratos
Quero largar tudo isso e ter-te
Dominar-te nas cargas dos meus braços

Não, não há romance
É tudo uma fumaça densa
De gases pesados e nicotizados

Nunca fui visto
Apenas sou eu
Uma chaminé de nicotina

Sonho de uma Noite Quente

Estatísticas dizem
Que 90% dos jovens dormem mal
Que somos seres sedentos vagando pela noite

A luz da lua luzindo, alumiando meus olhos
Pobres olhos, pobre Lua
Corro sedento pelo nada e para a nada
Até que grito

Mas que é isso em meu encalço?
Que desgraça é essa que me acomete?

Não importa
Quero que me beijes
Quero ao menos um carinho
Estou tão cansado...

Um uivo no meio da noite
Um suspiro de minha dor
Vá, beija-me
Nem que seja na testa
Quero ser beijado
Por ti

Fecha para mim o pórtico para o inferno
Fecha, por favor
Meu anjo demoníaco
Minha perfeição maldosa

Só me beijes, só me cubra com teu corpo
Porque sinto o seu frio

Quem está batendo nas janelas?
Que arrepio é esse?
Será que vais levar-me?
Agora?

Mas, por favor, beija-me.
Antes de tudo, beija-me
Pois não aguento ver-te
E nada poder fazer

Fecha as janelas
E vem deitar-se comigo
E, suplico, dê um pouco de carinho
E um pequeno sorriso

Vá, acende o fósforo
E me beija
Mesmo que seja um sonho.

Espelhos quebrados

Meus olhos te veem
E isso me deixa louco
Te vejo em outra dimensão
E eu não posso te tocar, te ouvir, te falar
Só te adorar, à distância.

Quebro espelhos só para te trazer a mim
O que consigo, sangue e feridas.
No final, nem consigo mais te ver.

O que eu queria era ter-te ao meu lado
Mas o que me resta, agora,
É a tentativa de esquecer tua existência.

Um sorriso teu dentro de mim

Queria eu ter um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim queria eu ter um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim um sorriso teu dentro de mim queria eu ter.

Dentro de mim, um sorriso teu.
Mas isso, eu não posso ter.

Táxi para uma Menina

Veja só,
Você que sai de trem:
Tem gente que vai à luta de táxi.

Pega em casa,
Salta em frente ao serviço.
Hum, que confortável!
Ai, que delícia!

Quisera eu ser esse teu motorista, menina cadente
Para poder somente admirar a graça de teu sorriso.
Pelo menos uma vez a cada dia
Que fosses de táxi.

Lágrimas secas

A chuva caiu,
Molhou, estragou,
Mofou, consumiu
Tudo o que era permeável.

Pior foi o que a secura me trouxe.
Choro seco, lágrimas que escolheram não sair.
E fazer doer minha retina,
E congelar meu coração,
E queimar até minha alma.

Possibilidades casuais

E se pudesse te ter?
E se pudesse dizer tudo o que quisesse?
E se pudesse fazer o que penso nesse momento, nesse instante?
E se pudesse existir, só eu e você, sem ninguém por trás ou na minha frente?
E se pudesse, por uma só vez, ser-me para teu prazer?
E se pudesse te ver e ter o brilho da alegria nos meus olhos?
E se pudesse ver o mesmo em ti?
São possibilidades, diagramas de um programa irresoluto.
Respostas que jamais seriam encontradas
Na inconstância do seu olhar amendoado.
Talvez seja uma mentira o que vivo.
Uma metáfora do impossível.
No seu olhar amendoado.

A nuvem roxa

Vi,
E me viste.
Era Sol,
mas minha visão estava turva.
Turva de ti, turva de mim.
O Astro-Rei chegava a nós,
E eu ouvi seu clamor.
Ouvi o meu chamado.
Rimos, conversamos, lutamos contra o rei.
Fugimos dos guardas, juntos.
E eu olhei pra ti,
E eu olhei pra mim.
Disseste que não,
Mas meu coração diz que sim.
Dizes que era roxo o seu cabelo?
Ainda os acho avermelhados.
Avermelhados de calor,
Do fogo que não acendi.
E quando o Sol se pôs,
O que via era o roxo da tua existência.




O Amor é uma Loteria

Engraçado é quando você todas aquelas histórias inebriantes de amores intensos, de paixões arrebatadoras, de sentimentos puros de afeto extremo. Tudo lindo, tudo mamão com mel, água com açúcar. Perfeito seria se um dia participasse desse mundo multi colorido, onde um sorriso valesse mais do que ouro e as ações de Wall Street.
Mas não. Isso pode ser verdade com os outros, e agora, durante um tempo curto. Ou não. Bem, devo parar de avacalhar as paixões alheias. Também devo deixar de ter falsas expectativas. Nada é lindo como no amor na realidade. Aqueles beijos tórridos, aqueles amassos, aquela troca de afetos, fluidos, energias, peles, deverei esquecê-los.
Vinícius escrevia sobre o amor. Amorzinho, benzinho, gracinha, mãozinha, corpinho. Que lindo! Que bem! Que graça! As palavras dele  rejuvenescem, é uma água de flor de laranjeira no meu rosto, no meu corpo. Refresca o calor que há em meu ser. É um bálsamo, uma coragem para os tímidos apaixonados. "Que seja infinito enquanto dure a chama."
O fogo, porém, necessita de dois componentes para ser aceso. Com os dois, é possível fazer atrito, sai a faísca, a brasa leve e breve, o fogo, a fogueira, o fogaréu, o incêndio, o fim e as cinzas. Mas nada disso é possível sem o atrito, aquele bendito contato inicial, o início de todo o processo físico-químico. Sem a energia de ativação, as barreiras do amor são intransponíveis. 
Pobres daqueles que acreditaram naquelas lindas palavras.
Um dia, ouvi seus versos. Gostava muito de um certo alguém, mas não sabia se daria certo. Foi aí que decidi parar tudo e me jogar. Qual foi a minha surpresa ao ver que debaixo do precipício havia somente pedras? 
Doeu. Dói. O não é uma ciência, uma engenharia reversa. A quintessência da queda.
É assim que começo - das cinzas de um mestre do amor e do fogo não aceso - e sem saber onde tudo isso vai parar.


Cirque des Horreurs

Se o Sol não queima
A chuva embolorece
Molha
Inunda
Mas crede, espectadores
Nem a tempestade
Nem o calor estelar
Será capaz de tirar
A feiúra de nossas mentes.

Relações Entrópicas

Quando vir que tudo anda mal
Tranquilize-se
Pois tudo um dia
Irá se explodir no seu caos interno.

Aspirante a vivente

Ainda irei pra uma ilha
Onde poderei em paz
Contigo e com a natureza

Vida, me leve
Preciso olhar mais pra você
Quero ver o teu rosto
Quero ter tua boca,
Teu peito e teu corpo inteiro logo

Hoje, nesse continente
Milhões morrem doentes
Milhares reclamam porque têm conta bancária
Centenas reclamam de um defeitinho na roupa de grife
Dezenas se engasgam com escargot
E só um deseja tê-la - eu mesmo.

Porque não podemos andar como fomos feitos?
Quem sou eu?
Esse monte de fantasias são a minha anti-vida.

Ácidos e bases, pra quê infernizam minha boca?
Queimem-se na fogueira de água, coisas malditas
Reclamam da minha des-ciência?

Vida, queria tanto tê-la
Mas - e mais - tantos tecidos
Me afastam de ti, amor.

Um retorno

Sim, eu voltei. O tempo quis me castigar, mas estou de volta. Até quando eu não sobreviver.

Dias de Sanidade

A habilidade de voar foi valorizada
Mas voar é cair
Não há como sair do chão

É possível mergulhar, apenas
Imergir na profundez da mediocridade

Arrastando as correntes
Vamos vencendo
Com faces de derrotados
Com suspiros míseros
Com lágrimas pueris

Meu coração debate-se no peito
Ele quer sair, mas não pode

Observe aquele papagaio, menina
Dê o seu biscoitinho
Ele é feliz em sua mão

Mulher, jogue as sementes para o homem
Esse aí, que está na gaiola
Minhas brânquias não aguentam mais
Mergulhar nessa água

Tento ligar a tevê
Mas veja, ela sempre está ligada
O canal mostra a minha vida
E estou lá
Só assistindo

Ciente de tudo.

Escada de Incêndio

O peito pulsando
Os olhos avermelhando
Barulhos de pés batendo no chão
A vida sendo pisoteada
Lá, começam a murmurejar
Olhos bem abertos, disciplina ferrada
Naquele que finge falar
Pressão alta, pressão baixa
Variação barométrica bruta
Ninguém percebe a pressão do ar
Ninguém percebe a pressão do futuro
E a fome, cadê?
Foi ignorada.
E a dignidade, cadê?
Perdeu seu significado.
Uso e ab-Uso na terra dos homens
Crostas negras saindo pelos orifícios corporais
Sangue brotando dos nossos olhos
E ainda temos disposição
Para subir, idiotamente
As escadas de incêndio
E escapar do inferno abrasante lá embaixo

Agora, só consigo ver a altura e os outros pulando daqui
Me resta é olhar para baixo.

A Cidade das Pedras

Localizada numa região de vale, por onde passava sinuoso rio, por anos o que se conhecia por esse nome estava entregue ao estado da selvageria. Mata nativa, curso d’água preservado, coisa e tal. Mas isso foi em tempos tão remotos, que de tão claro o progresso da sociedade que hoje lá vive, não há qualquer registro fotográfico nem relatado. Homem ali não vivia, era área de pântano, logo área obscura.

Porém, a cidade começou a devorar tudo o que lhe vinha à frente, inclusive os rios que a mesma usufruía. O rio foi desviado, o cheiro do metano dissipou-se, o mato secou, os animais foram sumindo. Sobrou o acidente geográfico, que tornou aquela região que tinha se tornado um punhado de árvores pequenas e pasto num verdadeiro buraco. Mas a espécie que passou a dominar o ambiente, tal como num nicho ecológico, numa monogamia destrutiva e pouco consolidada com a natureza.

Os pioneiros em sua ocupação o fizeram de forma ilegal: eram invasores de áreas não aproveitadas por seus proprietários. O primeiro grupo de humanos que ali viveu vinha de uma sociedade com alto grau de hipermetropia. Não que os oculistas nem os poucos oftalmologistas da época fossem reis num império de cegos, mas o principal sintoma era identificado em todos: sabiam com nitidez o que ocorria com o outro, mas não sabiam o que lhes estava mais próximo. Não conseguiam enxergar as minúcias que se lhes espreitavam naquela vida. Bastava o julgamento de um dos afetados por tal doença para inúmeros fatos estivessem ligados a essa constatação. Principalmente os elementos mais altivos possuíam maior grau de desvio, enxergando até mesmo o invisível na obscuridade de suas visões.

Era uma sociedade praticamente cega, por não saber o que era luz. Dominavam homens capturados especialmente para fazerem o trabalho sujo, sem qualquer tipo de remuneração, vivendo presos às correntes e grilhões de ferro. Pior não era a prisão física, mas a visual: por elos invisíveis e inexoráveis, todos só conseguiam enxergar aquilo que lhes estava logo à frente.

Após séculos cativos, a classe mais excluída dessa sociedade consegue a sua libertação – jurídica, somente. Foi tudo um pouco mais de clareza de visão nos olhos adoentados, que pouco depois dessa libertação, foram embaçados pelos seus próprios donos. É porque os ex-escravos se viram obrigados a morar longe da bela cidade que se construía. Não tinham mais serventia para o senhorio quase cego.

À época da libertação dos escravos, um grupo de pessoas, cuja maioria usava camisas e calças verde-oliva e óculos Ray-ban pra disfarçar seus olhos caolhos, indignaram-se com tanta podridão e escuridão em que estavam metidos. Desejavam limpar toda a sujeira a partir da convicção de que estavam enxergando a luz. Derrubaram, então, o império de olhos claros e instauraram a república das cataratas. É porque, de tanto olharem para o Sol e forçarem outros a verem-no, o cristalino começou a se tornar opaco, e cada vez mais havia cegueira naquela terra.

O povo pobre, como o que tem morado no vale, tem sofrido ainda mais com o estigma da cegueira. A educação dos camisas verdes era forçosamente verdadeira, mas se ensinavam o povo a ler e escrever nas suas admirações acerca do Sol, faziam uma proeza. Acesso à cultura era inexistente. Festejos dos moradores eram raros, pois todos viviam para trabalhar, inclusive as crianças. A mania de limpeza dos então governantes começou a ser posta de lado. Era melhor fazer vista grossa, não enxergar essa população que se espreitava pelo vale inteiro.

Ainda puseram indústrias para impedir o crescimento do que consideravam um câncer. Somente duas estradas o alimentavam: uma de asfalto e a via férrea. Para o povo, eram a aspiração para a ida a um mundo melhor que o deles.

Os anos passavam, e a vista estava cada vez mais rígida e inútil. Aí, o vento que vinha de oeste trazia uma poeira branca, parecendo parte de uma pedra bonita. Alguns homens experimentaram, aspirando-o pela narina, e disseram ter enxergado claramente, durante poucos minutos. Queriam mais e mais. Os que os viam começaram a fazer um negócio lucrativo: a venda do pó. E classificavam de acordo com uma possível qualidade usando preços: pó de dois, pó de cinco, pó de dez, pó de vinte. Alguns da comunidade, por nada terem, preferiam ver as luzes brilhando em seus olhos do que as notas porcas e imundas em suas mãos calejadas.

As menininhas e os playboys do lado sul do vale iam até o lugar pra obter o pó milagroso. Diziam que um dos maiores sábios da mente o utilizava para entender a psique. O que não sabiam é que a partir de certa quantidade, o pó faz o coração acelerar, até parar de exaustão. Muitos morriam e ainda morrem, vendo a luz. No caso do pessoal do Sul, fizeram uma negociata para passar pontos de venda da poeira para lá. O vento também seria o responsável pelo transporte, além de pessoas, carros, motos e até kombis do governo.

Outra luz chegou até lá, em resposta ao pó. Um grupo que se considerava ex-admirador das propriedades terapêuticas do particulado criou uma comunidade religiosa simples, messiânica e fundamentalista. Dizia-se tirar demônios e curar urticárias da alma, e liam um livro surrado e bastante grosso, que seria o único em toda a vida deles. Carregavam-no para cima e para baixo, mas somente os homens o faziam, pondo-o debaixo da axila. Às mulheres cabia o papel de testemunhar a luz invisível e insensível e esconder seus belos corpos debaixo de vestidos longos.

A comunidade aumentou, explodiu para todas as partes da cidade, do estado, do país e até do mundo. Muitos enxergam a tal luz, mas devem entregar parte do que ganham para se sentirem curados de sua cegueira.

No final, todos morrem cegos.

Há poucos anos, juntaram o pó e transformaram em pedra. Põem-na em cachimbos e a fumam. São pessoas esquálidas, que nada tem além de seu corpo e a (in)certeza de que viu a luz. Vivem na miséria, mas acham que são felizes com uma pedra. Pena que a felicidade dura menos ainda do que o pó. O vale está repleto de pedras, pedregulhos e pedrinhas feitas daquele pó. Descobriram que ele vem dos Andes.

A igreja que começou sem sede própria, sem casa, hoje tem um templo faraônico, além de uma organização corporativa de dar inveja a muita empresa. E isso nos horizontes limitados de uma possível iluminação. Pessoas esquálidas que destinam grande parte de sua renda e pão pequenos aos donos do rebanho morrem ouvindo aquele conjunto de rezas, hipnotismos, e dizem também as luzes. O chato é que a felicidade é resultado de uma castração da liberdade. E as pedras também existem na igreja, mas são feitas de material menos especial e servem para atirar àqueles que possuem posições contrárias às deles.

Entre esses, encontra-se os que preferem viver nas sombras. Como eu, que todas as segundas pega um ônibus na parte oeste da cidade, rumando ao norte, passando pelo templo dos eternos cegos, que dizem enxergar uma nesga de luz fazendo compras, passando pelo templo maior da igreja, com pessoas que abrigam a bíblia no calor dos seus suvacos, saltando num bairro na descida do vale, onde tomo um metrô confortável(?), com ar-condicionado(?), panorâmico, com vidros fechados de onde os turistas cegos podem ver as pessoas fumando pedras lá embaixo, na linha férrea que segue para a baixada. Saltando na planície que anteciparia o mar aterrado pelos camisas verdes, vendo pessoas dormindo ao relento, enxergando as luzes em seus sonos.

Semana passada, disseram que os camisas negras, eternos defensores dos cegos, foram para o vale combater os vendedores de pedra e pó. Mas só conseguiram prender algumas pessoas, que foram logo libertadas. O que o povo sem visão quer é um espetáculo para enxergar. A igreja é constantemente acossada pela mídia, pelo povo e pela justiça cega. Ambos não se destroem completamente, apenas encontram outras formas de esclarecer as pessoas, em circunstâncias diferentes.

Esse é o cotidiano na cidade das pedras, um vale em que alguns preferem escalar a montanha frágil e escorregaria do pó, outros preferem escalar o monte Sinai e outros preferem ver tudo isso do viaduto do Metrô Rio, como num safári, em que pagam R$ 2,80.


A Migraine Afternoon

The glasses and plates are broken
Over here, in this old wood floor
The noise has been piercing
My whole ear canal
For some hours
The blood in my hands
Is still wet
My heart continues dry
My body is being an anarchy
Each one wants to go to a different way
But my brain is stopped
The voices make a mess in me
And the dishes are dirtying the floor
I saw flowers, but I could not give them to you
I've never been able to do nothing for you
My hands are wrapped in my memory
And my memory are broken.


Uma pequena brincadeira em Inglês.

O Pecado de Santa Clara

Dama do bem e do verdadeiro amor
Amaste tanto aqueles que em tua vida te repeliram
Mortificastes tua vida
Para acender uma pequena lamparina
Em meio a este planeta trevoso

Tu, que morrestes pelos pobres
Tu, que despiste teus abrilhantados vestidos
Tu, que conhecestes o prazer sádico dos homens ditosos
Tu, que foste a mais pura de ruindade na história deste orbe
Cometeste um grave erro

O homem, que nunca ser alado foi
Por inveja das belas aves de penas coloridas
Fez as suas asas do frio metal trabalhado
Clamaram para que clareasse o caminho
Daqueles que destinados a voar foram
Pela mesma humanidade trevosa que cuspiu
Em ambas as tuas faces

Isso fizestes, esses anos todos
Tua luz iluminou todos os pássaros de ferro
Em principal os que muito mataram
Com teu sopro divino, afastaste as intempéries
Dos cachorros que se consideram alados
E eles mataram, com suas bombas defecadas
Gente humilde como tu

Permitiste, sem ao menos concordar ou não
O desempenho de sustentar uma rede alienadora
Alimentaste, em teus seios repletos do alimento amoroso
Gente corrupta e desonesta,
Que dinheiro faz lobotomizando o próximo

Cadê a humanidade?
Cadê o amor?
Cadê a compreensão?
Cadê o altruísmo?
Nada resta nesta superfície estéril
A não ser o desafio de todo dia sobreviver
Ao que certos homens podem lançar do céu

Homem, ser injusto
Alma vazia de amor
Alma cheia de ardor
Pela sombra formada pela fogueira de Deus
Felizes as crianças,
Pois ainda não entendem o verdadeiro significado prático do amor.

Revolução no Brasil(?)

 Ninguém pode negar que 2011 começou bombando, em vários aspectos. Primeira mulher presidente no Brasil, Corinthians eliminado na primeira fase da libertadores, Ronaldinho Gaúcho no Flamengo, Carnaval só em Março...e isso só em Janeiro. Sem falar em certos protestos que começaram concentrados em certas partes do planeta.
Muitos de nós, de alguma forma, sabemos o quanto a cultura islâmica tem se mostrado bastante fechada à ilusão de um novo mundo, globalizado. Durante toda a década que se passou, podemos ver, do plantão da Globo na hora da TV Globinho, em 11 de setembro de 2001, aos folhetins da Glória Perez das 21h, passando por inúmeras manchetes dos jornais globais, toda a influência do pensamento americano, dizendo que os árabes são um povo atrasado; que proíbem televisões nos países deles, organizam atentados terroristas no mundo inteiro, que subjugam as mulheres a um papel servil em pleno século XXI e que sempre sustentam governos autoritários, ditatoriais, anti-humanos, andando na contramão na cantilena preguiçosamente regida pelos maestros dos EUA.
Percebemos que o melhor era simplesmente seguir um padrão consumista de vida, nos entupirmos de computadores e redes sociais que borbulham por aí, de não dar a mínima para nossa própria cultura, e achar engraçado ver uma mulher cheia de véus em pleno verão carioca.
Mas esse mês de Janeiro deu uma prova do que é aquele povo que pensávamos ser mais ultrapassado que os nossos hábitos devastadores e inconsequentes. Populações de países islâmicos, não usando de um fundamentalismo cenográfico como aquele que nos é transmitido em grandes coberturas jornalísticas, perceberam que estavam literalmente pagando o pato pra manter esse modo de vida americano. E pior, usaram as redes criadas e financiadas pelos próprios americanos para promover seus protestos.
Tudo começou na Tunísia, país pequeno do Norte da África. Ninguém se lembrava do pobrezinho (de propósito?). Mas aí a mídia fez o favor de revelar a história desse país até então pouco conhecido. Grande produtor de petróleo, com um passado de ditaduras sustentadas por alguns países, visto a sua desatenção com os tais dos direitos humanos. Pronto, script de 99,9% de países árabes...xi, lá vem confusão. Pensaram que iam fazer o mesmo que no Irã, onde chegou o chefe religioso querendo tirar o fantochando do grande manda-chuva da época. Mas não, os muçulmanos eram religiosos sim, mas só queriam dignidade. Desejam eles um governo honesto, minimamente democrático que seja, mas que seja capaz de dar-lhes voz, emprego e prosperidade. Conseguiram fazer com que o ditador de mais de duas décadas fugisse para bem longe dali, junto com a família inteira, tirando-o do poder. Claro, a fuga tava fora das intenções deles, queriam ver o cara e a família corrupta dele pagar por anos de penúria do povo tunisiano. Justo, não?
Aí, o medo foi se espalhando. A Jordânia começou a adular o seu povo, que se sentiu satisfeito. A democracia, mesmo com um Rei, aumentou um pouquinho. A sorte de não estar em crise grave impediu que a cabeça do soberano rolasse. Na Arábia Saudita, há ainda muito a caminhar: o rei ainda é absoluto, a população ainda vive na penúria, contrastando com os palácios dos sheiks. No Iêmen, periguinho: começaram a protestar contra o presidente-ditador, governando por mais de vinte anos, e a população em estado deplorável, sendo esse um dos países mais pobres e dependentes da região árabe. No Egito, a situação mais séria, que teve maior repercussão do que o caso na Tunísia.
Curioso pra mim é que as situações dos dois países é bem parecida. Ditaduras que chegam a três décadas, corrupção na pauta, favorecimento dos parentes e compadres, pobreza geral, mesmo sendo maiores economias da África e produtoras de petróleo não filiadas a OPEP. Talvez haja alguns agravantes no caso egípcio. Aliás, tratamos de um das mais antigas civilizações, que passou por várias roupagens religiosas e culturais, com atrações turísticas bastantes famosas. Além disso, não vamos esquecer da importância dos acordos do ditador egípcio com EUA e Israel, o que deixa a parada mas tensa, passando do ponto de fervura.
Depois de uma semana de protesto, com mortos, feridos, milhares acampados no meio da rua, a história vai virar uma verdadeira novela, literalmente das oito e meia, entre a das 19h e a das 21h. O ditador nega-se a largar o poder, mesmo sabendo que já está lascado. Talvez queira virar herói, mas todos o consideram vilão. No mundo inteiro começam os protestos em apoio ao movimento popular (não bolchevique, não fundamentalista, não marxista) egípcio. Alguns fazem isso de boa vontade, outros veem interesses de "expandir a democracia por meio de um 'soft Power'". Normal.
Enquanto isso, no Brasil, nada de novo. Faz tempo que não vemos uma grande manifestação. Chamam-nos de povo pacífico. Eu acho que somos um povo desarticulado e com medo do poder. Ainda estamos sob um absolutismo, anacrônico. Ainda temos um poder centralizado, pouco discutido. No máximo, xingamos aqueles que nós mesmos elegemos e tornamos política uma chacota. Temos os mesmos problemas dos islâmicos, em menor grau. Não vivemos mais em situações apertadas, em que nem podemos confiar na poupança. Porém, temos um dos governos mais corruptos do mundo, mesmo colocando boas personalidades na presidência. Tratamos parlamentares como nobres, e a antiga família real brasileira, uma mistura de Bragança, Bourbon e Habsburgo, ainda tem que ralar muito (pouco) para conseguir seu pão (brioche) de cada cada dia. Sem depender de pensão vitalícia.
Sem ir longe, nossos parlamentares aprovaram um aumento de 13 mil para si próprios, e tá sendo um parto conseguir um aumento de 15 reais no mínimo. A oposição brasileira, ou não entende o povo e prefere ser macaco de imitação, ou tá às voltas com teorias marxistas do século XIX. Representando o meu estado do Rio de Janeiro, um deputado, ex-jogador de futebol com fama internacional, e em situação econômica deprimente se elege deputado federal, dorme na sessão de apresentação aos calouros da câmara, bate o ponto da primeira sessão e volta pro Rio pra jogar futevôlei na praia da Barra. Outro, ex-aliado de gente podre que domina um reduto eleitoral em Campos, duramente afetado por periódicas tempestades e moralista ferrenho, contra propostas que poderiam melhorar os direitos humanos no Brasil, consegue uma vaga no plenário e uma indicação para o diretor de uma grande estatal de energia elétrica. Escolhe um corrupto, aliado seu em trambicagens, e arranja confusão numa política sensível e frágil. E o povo brasileiro prefere seguir o Luciano Huck no facebook.
Sem mais,.....

Um Elogio à Caretice

 

Depois de alguns  dias sem ter ideia alguma do que postar, sem a miníma criatividade e o máximo da preguiça comum a esse péssimo mês que se chama Janeiro, encarei uma coisa que existe em mim, mas eu não queria admitir.
Infelizmente, você, caro leitor, deve achar suuper chato as minhas divagações, o meu detalhismo doentio. E para sua imensa satisfação, você terá mais uma dose dessas minhas qualidades, ou seriam defeitos?
Ainda me lembro de uma música da Legião Urbana. "A Dança". Antes que isso pareça nostálgico, e pode acreditar que não é, vou dar um ctrl+v nuns trechinhos interessantes, isso se o Writer permitir.

"Você é tão moderno
Se acha tão moderno
Mas é igual a seus pais"

Enfim, depois desse momento cultural, comecei a me tocar de algumas coisas que vem acontecendo e que a todo tempo me fazem parecer no tempo da minha avó. Devemos, é claro, agradecer à mídia, mas isso é assunto para outro post.
Nem precisa muita pesquisa pra verificar isso. Na televisão, na internet, nos realities shows, o que você mais vê são assuntos escabrosos que mostram o quanto somos moderninhos. Vamos passar pelo melhor programa do que a estatística do Ibope chama de "Classe C", o terror das zelites.
Ninguém duvida do poder do BBB, quer dizer Boninho, Bial e Babacas. Aí vem essa gente, querendo impressinar, o marketing social e outros papos que só conseguem enrolar perua hipnotizada. Já não bastasse a pasmaceira de botar um drag queen, uma biba pupurinada, um homófobo do Terreirão e uma lésbica gostosa em 2010, decidiram pôr um homem que fez uma cirurgia de mudança de sexo.
Passado o susto pré-BBB com os boatos espalhados pela própria emissora, a mesma decidiu esfriar o caldeirão. Tiveram o desplante de fazer uma reportagem com a "macharada" de Realengo, do mesmo bairro do cidadão (digo, da cidadã). Disseram que adoravam a moça, que era gostosa, mesmo sendo cópia do original. Pegariam ela, com certeza!! Mas seria verdade? Eu acho que não, tanto que ela foi a primeira a ser dispensada da "casa"
Não que eu seja favorável a homofobia, mas não seria estranho, a meu ver, reações contrárias aos transexuais. Ainda é uma coisa bizarra, até mesmo nojento. Entendam, não sou favorável à Eugenia, nem coisa parecida. Mas ainda não consigo chegar a esse nível de liberdade. Mas pra alguma coisa serviu esse causo que ainda tá esquentando as conversas fúteis. Não, não foi pra combater a homofobia, longe disso. Só mostrou o quanto ainda somos caretas, o quanto ainda estamos no início do século XX.
Pior é perceber o quanto isso influencia. Escolhemos para governar pessoas antenadas com os valores dessa época, vivemos com pensamentos e princípios de economia que lembram do que os nossos bisavós faziam. Tenho certeza que muita gente ainda guarda dinheiro debaixo do colchão. Até mesmo nossa expectativa pra velhice é igual: aquela visão deprimente dos velhos encostados no sofá, sendo um encosto pros filhos e netos.
Os Estatutos mostram isso. Como consumidores, infelizmente, a tendência é inversa. Somos cada vez menos espertos, e tem gente que xinga judeu e sírio-libanês pela sua capacidade de pechinchar, prática cada vez menos importante, pois o que vale é o orgulho que temos ao engolir os preços dos presentes de Natal lá nas alturas. Nos resta a compra a prazo. A preocupação com o meio ambiente não passa de balela e engodo, pois ainda não nos preocupamos com a desconhecida Amazônia. E ainda nos espantamos com as chuvas de Verão!
Grosso modo, até tentamos ser modernos, mas ainda somos tão caretas quanto as carolas e os pudicos.


Indiferença

A maior praga humana
A morte de qualquer mortal
O silêncio dos humildes
A lama que inunda um espírito luminoso

Pobre aquela alma que lamenta
Na profundidade da sua ignorância pueril
Como, boba e tola menina, pudeste acreditar
Nos seus pés haveria um pedestal?

Mas a dor que sentes é a mesma que senti
Em dias menos quentes
Em tardes mais entediantes

Tempos imemoriais
Tempos em que os italiotas
Brincavam de ser gregos

Mas não sabiam da humanidade
Ela está mais além
de duas quartas e duas terças
E toda a sua teoria, toda a sua métrica
Foi lançada aos porcos
Tesouro inútil, enlamaçado na sua lama,
Minha madama
Prefiro escrever com essa mão limpa e alva
Amar-te e quebrar essas amarras do passado
Erga-te, levanta-te, anda:
Venha, dê as suas mãos lavadas em chorume
A esse ser indigno de atenção.

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Perdoem-me a demora, foi questão de inspiração. Baixei um álbum horrível do Gene Loves Jezebel, The House Of Dolls, mas isso é pra outro post. Feliz 2011, de acordo com suas interpretações.
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