O ano tá terminando, e com ele vem uma festa especial. As lojas, shoppings, ruas e mercados ficam lotados de pessoas que procuram ferozmente por presentes. O objetivo é comprar o máximo possível, torrar o dinheiro instintivamente, tudo em procura de presentes, pra tentar conter a sua tristeza reprimida. O ser humano de hoje tá disposto a fazer tudo pra satisfazer seus pueris desejos de felicidade instantânea. A selvageria de uma sociedade aparentemente tão pacata e ponderada vem à tona, revelando a baixeza da existência humana, e toda a raiva contida durante um ano de supressões sociais. Esse é o Natal de hoje, escondido entre tradições aparentemente inexplicáveis, brigas, discussões, psicodramas e muitos presentes supérfluos.
Essa é a situação pronta, fechada. Mas certamente há a causa disso, a ethos responsável por toda essa situação sinistra e, ao mesmo tempo, dissimulada que, ultimamente, repete-se em todo fim de ano. Precisamos voltar uns cinco mil anos para ver esse porquê.
Nessa época, no Hemisfério Norte, ocorre o solstício de inverno, que marca o fim da colheita e o início do que era um rigoroso inverno, em que, obviamente, não se podia plantar muito. Logo, as tribos, inocentemente, colhiam todos os humildes produtos de suas roças e reuniam a família, ou seja, a tribo inteira, para poderem festejar a produção e agradecer ao amparo dado pela natureza nas suas atividades e subsistência. Não havia uma tradição, uma sanção nem uma obrigação. Era somente pelo prazer de reunir a genos, o que conhecemos hoje como família.
Mas aí surgem os romanos. Brotados do pó existencial de uma terra deserta de gente, e rica em natureza, surgiu a civilização que quase se tornou a mais tirana já conhecida nesse planeta. Sua própria gênese foi causada por uma lenda. Tudo começou por uma cidadela, que foi crescendo, se ampliando, dominando. Quando se aperceberam, construíram, por cima de sangue de gente livre e inocente, um Império. E todo Império deve ter o seu tirano, o seu Deus máximo, a quem todos os seus súditos devem honrá-lo, com oferendas advindas de sua produção. Assim, copiando as festanças das antigas tribos, os deuses-sol de sociedades subjugadas e acrescentando uma pitada da mais suja orgia, gula, luxúria e sede de sangue. Aí surge uma festa deturpada por mentes malignas e sedentas por subjugar o maior número de pessoas possíveis.
Porém, a antiga Roma, eterna por toda a sua maldade, sofria com a disputa ideológica entre várias religiões. Nesse contexto, aparece a figura de fanáticos e hipócritas romanos, que se aproveitaram da doutrina de amor puro proposta por Jesus, um judeu e mártir em uma sociedade que ainda hoje é dominada pelo fundamentalismo. Sua doutrina, levada até o centro do Império por aproveitadores ideológicos, foi totalmente transformada, tornando um carpinteiro de bem em um Senhor onipotente, capaz de subjugar a todos com um piscar de olhos. A partir daí, inventam a evidência de que esse enviado de Deus nasceu perto do solstício.E, assim, começam a comemorar a festa, ás escondidas. Após isso, se aproveitam de uma fraqueza do tirano romano, já em seu leito de morte, e o batizam. Com isso, emerge uma nova soberania.
Até há pouco tempo, éramos dominados por eles, que foram responsáveis por criar heróis, bruxos, vilões, fantasmas, lendas. E então, construíram mais sociedades, que cada vez se aproveitavam do que foi deixado pra trás das mais antigas civilizações. A festa, antes tão natural, era moldada de acordo com as necessidades das partes dominantes da sociedade.
Dentre essas sociedades, surge o que vemos hoje. Surgida também por lendas, como a antiga Roma, esse grupo é, com certeza absoluta, o mais tirano já visto por essas vistas tão frágeis. Ao contrário de seus ancestrais, eles estabeleceram, além de manter um exército fortemente armado e recrutado, uma doutrina baseada no consumo selvagem e desenfreado, baseado numa base frágil, composta de contradições, feitas por pessoas que possuíam os instintos prevalecendo sobre a razão e, por vezes, substituindo-a.
E então, voltamos ao início. Incrivelmente, não fiz essa viagem histórica à toa. Todo esse meu texto, até então, serviu pra mostrar a realidade, base obscurecida dessa festa que de tão cândida, tornou-se cruel. Por muito tempo, e por muitas gerações, vivemos desgraçados e cegos por esses sofismas sociais, que nos aprisionam a meras e idiotas tradições, as quais são extraídas de sociedades que mal conhecemos, considerando-as nossas. Basta desse instinto de posse, de domínio. Que poder é esse, que nem consegue controlar o nosso próprio ser? Busquemos a liberdade, através dos nossos próprios atos.
Não sou contra a festa, mas sim contra os motivos que se a comemora. Então, não devemos deixar de festejar com nossos amigos e parentes, mas também lembremo-nos de dar o muito que temos aos que nada possuem. Não tratemo-los como enjeitados, pobres coitados, dando as migalhas de nossas fartas ceias. Precisamos dá-los, sim, partes de nossas ceias, convidando-os à festa...
Entretanto, esqueço-me de que tais palavras, tão bem escritas, tão floreadas, mal podem sair desse apinhado de pixels, visto que ainda somos um tanto cegos e fracos com tudo o que tá à nossa frente. Enquanto não chegarmos lá, conformemo-nos com as guerras comerciais, e com nós mesmos sendo joguetes da mídia e dos megastores. Feliz Natal a todos!!!!!!!